terça-feira, novembro 27, 2007

Convença-me ou te devoro.

Ninguém ira me convencer se eu não quiser ser convencido.
Mesmo que esteja em perigo.
Mesmo que acreditar às vezes seja a única saída.
Porque ninguém enxerga tudo e nem prova o impossível.
Existir e resistir e assistir e competir e persistir e desistir e conseguir e extrapolar e resumir e entender e discutir e se apoderar e destruir e reconstruir para acalmar e não ter razão ou viver em vão sem explicação não é confusão nem é conclusão entre o sim e o não se pode descobrir mil faces da vida eterna, interna, externa, moderna, conservadora e ultrapassada na vanguarda dos que rogam pragas aos ateus, aos crentes, aos anarquistas, comunistas, capitalistas, hedonistas, ao prazer e ao sofrimento enquanto estiver vivo para saber quem sou jamais terei uma só palavra para me definir e ao que me proponho e o que quero e quando quero e se não quero ou vá querer e desejar e o que é o amor e a compaixão e o egoísmo ou altruísmo sedentário ou corredor de maratona ou nadador de oceano ou voador de avião, de ultraleve, de pára-quedas, de asa delta, visionário, missionário, arco e flecha contador de lenda urbana, de lenda florestal, de lenda que faz bem e de lenda que faz mal, quem é igual e quem quer ser para participar da configuração padrão pré-estabelecida para dar sentido ao certo e ao errado, ética e moral, confusão mental em muitas mentes que mentem para obter reconhecimento, fama, grana, gramados verdes, mansões, aparelhos sofisticados, carro do ano, conta cheia no banco, saco cheio de problemas e esquemas e teoremas e dilemas, pois não sabe o que sabe o que não quer saber, escuta pensando no que vai dizer, não presta atenção, nem tem pretensão de me ensinar como morrer, como ressuscitar, como tornar-me evoluído, ouvido ouve, o que é dito quando as palavras interessam. Ajustar-se e conjugar o verbo correto no presente, passado passou e futuro ainda não veio.
Ninguém convence ninguém quando esse alguém não quer ser convencido.
Convertido, compenetrado, consumido, congratulado, consentido, controlado.
Falta equilíbrio e ser equilibrado em virtudes e defeitos em certezas e conceitos variáveis com o tempo e o que é o tempo e o tempo passa e o tempo vai passando e é a única certeza que temos mesmo quando não temos mais certezas a serem certificadas para dar sentido a uma confusão, crucificação, omissão, ladrão, turbilhão de palavras sem sentido.
Convido-te a pensar e refletir melhor sobre teus pilares.
Quem os construiu e o que vem depois que acabou.

Ninguém me convencerá se não quiser ser convencido.


Tico Sta Cruz

( pra quem está acompanhando a saga de Salinas existe um capítulo abaixo)

domingo, novembro 25, 2007

Capítulo 10,9

(Seguimos com a trama)


Quem sabe Rogério não me aparece com novidades?

Fiz um crediário e dividi meu novo celular em 12x. Um aparelho muito bacana, poderei usá-lo como MP3, máquina fotográfica, câmera de filmar, jogos, gravador e mais um monte de coisas interessantes. Mentalizei que por ele receberia muitos convites de trabalho. Aproveitei uma ida ao banheiro e testei todos os toques para ver qual combinava com o quê. Passei os números para agenda e deixei por precaução anotado num papel para o caso de alguma pane. Estava com um pequeno problema burocrático e resolvi ligar para a operadora para tentar resolvê-lo queria começar com o aparelho novo totalmente do zero. Operadora de celular é tudo igual, só muda a porra do nome. Quando é para vender o plano os filhos da puta te atendem rapidamente, depois qualquer merda que você precisa fica um bom tempo esperando com aquela música nojenta no seu ouvido repetindo freneticamente um bilhão de vezes as mesmas palavras. Acho que eles já fazem isso para deixar o cliente irritado e quando a voz do outro lado atende como se fosse um robô então tudo fica mais chato.Você acaba perdendo a paciência mais rápido e com isso perde a razão também. O curso oferecido para os atendentes não permite a utilização de pouco mais de 15 palavras. Sim senhor, não senhor, espere um momento, por favor, estou transferindo a ligação para o setor responsável, blábláblá. Contei no relógio o tempo que demorei para conseguir resolver a porcaria do problema, muito mais de 30 minutos. Se já não tivesse acontecido isso em outras operadoras poderia até pensar em mudar meus planos, mas daria um trabalho enorme ligar para todo mundo e passar o telefone novo.
A falta do que fazer é foda. Internet, Orkut, Msn, televisão, nada de muito instigante para quebrar a rotina. Escuto o som do meu aparelho novo tocando. Ele vibra junto no sofá. Corro e atendo. É Rogério. Será que conseguiu alguma coisa?
Alô. Fala Anselmo. Porra Rogério, vou desligar e tu vai me ligar de novo e me chamar de Flávio. Desliguei e depois pensei melhor, caralho o cara ta tentando me ajudar e ainda bato o telefone na cara dele, que merda e se ele ficar puto e não retornar? Acho melhor ligar e pedir desculpas. O telefone toca novamente. Alou, desculpa Rogério, estou um pouco nervoso. Fica tranqüilo Fláaaaaavio, (ele deu uma gargalhada) é à força do hábito. Tudo bem e o que me contas? Flávio é o seguinte, deixei o teu material com o meu empresário, mas ele achou que ainda é pouco para oferecer aos produtores de novela, mas como te disse, ele conhece muita gente do meio e acho que numa conversa de bar com amigos surgiu o papo de uma promoção na ilha das celebridades em Angra dos reis. (Meu coração bateu com força). E ai? Quero saber o seguinte, ele me pediu para perguntá-lo se queres fazer parte de um grupo que passará o fim de semana na ilha. Lógico (respondi imediatamente). Calma amigo, preciso explicá-lo melhor. Conte-me então. É o seguinte. A &^%$#@ vai fazer uma promoção de um leite desses saudáveis e oferecer para os convidados, então estão precisando de pessoas para servi-los e alguns outros para receber o pessoal que chega, sabe esses recepcionistas de feiras e eventos?
Eles se autodenominam promoter. Não pagam muito, serão 100 reais para o fim de semana todo, mas acho que é uma boa oportunidade conhecer um lugar legal, como fui convidado estarei lá e quem sabe não pinta uma chance de apresentá-lo ao alguém?
Lógico Rogério, me coloca nessa parada ai, to dentro. Então tá, vou passar teu telefone para a Bianca, ela é secretária do meu empresário. Vai te colocar a par do procedimento todo, é já nesse fim de semana tudo bem? Tem algo marcado. (menti) Tenho, mas desmarco, acho que é mais importante estar onde as coisas acontecem. Anota o telefone dela ai caso queira tirar alguma dúvida. Anotado, muito obrigado Rogério, acho que vai ser excelente para nós dois. Com certeza Flávio. Me liga depois e diga o que ficou combinado valeu? Te ligo sim, valeu mesmo, abração.
Aprendi uma coisa, não devemos esperar a oportunidade, temos que criá-la então imediatamente liguei para Bianca.
Bianca, tudo bom? Quem fala, por favor? É Flávio Salinas, amigo do Rogério. Oi Flávio, estava para te ligar. Eu sei, mas acabei de falar com ele e resolvi não te dar o trabalho. Flávio, o Rogério te explicou como será o serviço e do que se trata? Me explicou sim, está tudo certo, vou nessa. Tudo bem, me passa o seu e-mail que vou encaminhar a mensagem com os horários e tudo mais. Anota ai. Anotado.

Sexta feira às 6:30 da manhã saindo da praça %^$#@. Uma Besta transportará todos os promotores que participarão do fim de semana do lançamento do Super-leite-saudável da &^%$#@. Procure a Marcilene Govea. Abraços Bianca.
Sexta feira às 6:30 estava a espera da Besta. Éramos um grupo de seis pessoas. Dois homens e quatro mulheres. Normal, esses eventos tendem sempre a apelar para os encantos femininos. Sheila me disse certa vez que os homens de negócio caem feito patinhos nessa armadilha óbvia. Primeiro porque as mulheres chamam sua atenção e acabam seduzindo o possível cliente para o estande de vendas. Segundo que muitos desses empresários, coroas, senhores, homens mais velhos que se acham garanhões querem sempre mostrar virilidade e atitude e ficam dando cantadas patéticas na tentativa de comer as menininhas para isso não é raro que acabem ouvindo todas as vantagens do tal produto, muitas vezes sem prestar atenção em nada. Terceiro que para mostrar que tem poder ou dinheiro muitas vezes fecham o negócio visando impressionar a “modelo” e quem sabe assim conseguir algo mais depois do expediente. Se você acha isso ridículo, Sheila dizia conhecer muito bem a natureza dos homens.

Nos primeiros quilômetros um silencio constrangedor perdurava na Besta. Foi então que um dos caras resolveu perguntar a Marcilene como seria o trabalho na ilha. Ela foi bem objetiva. As mulheres receberão os convidados na porta e vão lhes oferecer um copo de leite, terá uma maravilhosa mesa de café da manhã montada para eles. Você e Flávio ficarão vestidos com uma roupa da promoção somente transitando pelo local.
Transitando por onde? Perguntei. Transitando por alguns pontos da ilha, quando chegarmos lá lhes entregarei um mapa com suas posições.
Credo, aquilo parecia até operação de guerra.

As meninas preferiram descansar com exceção de uma delas que foi ouvindo música nesses aparelhinhos que imitam o Ipod na verdade lá onde moro, chamamos isso de Ipobre. Não deram muita bola, eram bem bonitas realmente. O cara ao meu lado tentou puxar alguns assuntos, mas preferi ir me distraindo com o lindo visual do litoral carioca. Aquele mar imenso e azul, o céu estava com um sol de rachar, a manhã prometia. Imaginei que depois de receber os convidados talvez pudesse mergulhar na praia um pouco. Acabei dormindo e acordando com a voz de Marcilene nos chamando para embarcar na lancha que nos levaria até a ilha. Juli era uma loira bem bonita, com seios grandes e siliconados, enfiada num shortinho bem apertado e mostrando suas formas de tirar o fôlego foi quem me chamou mais atenção. Vilma era uma morena falsa magra, destas que quando ficam de biquíni acabam por provocar pensamentos libidinosos em qualquer um. Dava para ver que estava bronzeada, pois sua marca de biquíni estava bem visível na altura se seus peitos. Katilene a menina do Ipobre, parecia a mais tímida e a que menos chamava atenção.Cabelos castanhos, vestida com uma roupinha bem sem graça, deveria ser amiga de alguém. De óculos escuros não conseguira ver seus olhos, mas era um tipinho bem comum. Enfim, quem nos escolheu deveria ter seus critérios e aos poucos começamos a trocar algumas palavras.
O motor da lancha e o vento na cara me transportaram diretamente para a posição de convidado da revista para a promoção na ilha. Por alguns instantes me imaginei importante e fiz como o livro dizia, pensei com toda a força para que aquilo se repetisse um dia me colocando na posição de famoso. Imagine chegar às 10:30, ser recebido por estas gostosas, tomar um café da manhã espetacular, colocar minha sunga branca, tirar fotos e mais fotos com meus amiguinhos célebres e depois passar o dia na piscina, mergulhar com os mergulhadores profissionais, receber uma massagem relaxante, almoçar lagosta, dormir no ar condicionado numa cama de rei, depois fazer uma sauninha e quem sabe trocar caricias na baladinha a noite com alguma das convidadas. Se bem que sendo eu um cara influente numa situação dessas, acho que tentaria dar uns pegas na Juli. Adoro mulheres com peitos grandes. O silicone é uma grande invenção, aliais a cirurgia plástica como um todo. Pega estas mulheres que muitas vezes passariam despercebidas e as transformam em máquinas dos sonhos. Hoje em dia estão quase todas assim, lindas, com lábios carnudos, cinturinhas finas, seios duros. Só fica feia quem quer ou não tem dinheiro para fazer as reformas.
Voltando a vida real, chegamos à ilha e logo Marcilene nos encaminhou para tomarmos nosso desjejum, foi como ela mesma disse. Um restaurante bonito com uma mesa linda, variedades e mais variedades de pães, bolos, frutas, sucos, enfeites, tudo mais. Pena que essa não era a nossa, a nossa também era bonita e possuía bastante comida. Obviamente nem se compara a daquelas pessoas mágicas que estavam sendo aguardadas.
Tudo naquele lugar parecia um sonho, ainda mais para um cara como eu que sempre dividiu a realidade com a falta de dignidade oferecida aos moradores de comunidades carentes. Aposto que qualquer um deles daria qualquer coisa para passar um dia, somente um, com tanto luxo e tanta oferta de comida e tudo mais que muitos de nós só encontramos nas revistas, na TV ou nos filmes. Deve ser por isso que tanta gente cultua esse universo da fama e do luxo. Talvez se coloquem no lugar dos famosos ou mesmo os tratem como deuses por terem tantos privilégios enquanto tantos não tem quase nada. É uma relação estranha que confesso que também me seduz.
Alimentei-me bem e fomos até o alojamento onde Marcilene nos apresentou os aposentos. Homens de um lado e mulheres do outro lado. Lógico. Deixou bem claro que estava estritamente proibida qualquer tentativa de aproximação com os convidados e não seria permitido também envolvimento íntimo entre os que estavam lá a trabalho. Que merda, pensei, tudo isso e não poderemos aproveitar nada?
Marcilene podemos usar a piscina ou a praia nos intervalos? Vocês não vieram aqui para se divertir, estão aqui a trabalho, sendo assim, só fica autorizada a utilização da praia e mesmo assim não pensem que terão muitos intervalos. Ao longo do dia existirão atividades onde será necessária a presença de todos.
Aquilo estava parecendo mais um quartel, mas o pior ainda estava por vir.
Marcilene chamou o monitor responsável para nos vestir e foi ai que percebi que entrara numa furada dos infernos. Eu e o garotão recebemos como presente uma roupa de caixa de leite. Consegue imaginar isso? Pois bem, imagine uma caixa de leite gigante com braços e pernas e uma cabeça. Foi o que me tornei naquela ilha. Enquanto as meninas receberam biquínis e shortinhos, camisetas leves e sensuais, nós nos tornamos duas caixas de leite ambulantes. O mapa foi distribuído e os horários também. Teríamos que ficar em pontos estratégicos para que as fotos tiradas mostrassem discretamente a propaganda do produto que estava bancando toda a mordomia.
Olhamos um para a cara do outro e por um momento achei que Rogério tivesse feito isso para me sacanear. Mas agora era tarde.
Encontramos as meninas que não pouparam gargalhadas ao nos verem vestidos assim. Até Katinele deu uma grande gargalhada. Me enganara a respeito dela, depois de produzida e bem vestida pude ver o quanto era bonita e gostosa. Todos juntos para a entrada do evento. Os primeiros convidados começaram a dar o ar da graça.

terça-feira, novembro 20, 2007

Pico de audiência.

A noite dorme plena.
O telefone dorme pleno.
A pia da cozinha dorme plena.
O vazo sanitário dorme pleno.
O carro estacionado está.
O cachorro silencioso com seus olhos fechados.
O gato deitadinho num canto cochilando.

A noite segue seu ritmo em silêncio.
O fogão nada tem para aquecer.
A geladeira meditando.
Meus olhos estão em chamas.
As palavras são abrigo.

A TV já saiu do ar.
O rádio quieto.
Não há qualquer trabalho para a máquina de lavar.
Sapatos e tênis descansam tranquilos.
Janelas e portas trancadas.
Jornais de ontem já lidos.
Os instrumentos calados.
Só escuto um zunido.

Deve haver um mosquito por aqui acordado.
Voando perdido pela madrugada.
E as formigas o quê estão fazendo?
Sinos sem badaladas.
Brisa morna vela as árvores e flores.
O céu escuro não brilhará em vão.

Estamos nós aqui acordados.
Eu e as batidas do meu coração.

Tico Sta Cruz

Intervalo de lucidez?

Quando atinjo o máximo de minha lucidez é quando me encontro com a insanidade.
Lucidez é loucura.
Seres humanos não a suportam e a transformam num fardo difícil de carregar.
Por isso partem em fuga e buscam nas certezas explicações para o que não se pode explicar.
Culpas, Deus, amor, inferno, paraíso, fidelidade, moral, injúria, preconceitos, e são tantos os pacotes e as promoções.
O que é real?
O que deixou de ser?
O que já foi verdade?
O que se tornou mentira?
O que é imoral?
O que deixou de ser?
A lucidez é desumana, pois transcende a capacidade óbvia de repetir e robotizar o pensamento.
Ser humano é também ser assassino, vulgar, cretino, ignorante, inescrupuloso, cruel, e são tantos os pacotes e as promoções.
Ser desumano é deixar tudo lúcido e a lucidez é minha loucura.


Trilililililililinnnnnnnnnnn.

Hora de tomar o remédio.

Tico Sta Cruz

domingo, novembro 18, 2007

Capítulo 10

(Segue a trama)


O carro onde vi o detetive Machado pertence ao pai de Agnaldo? Não pode ser uma coincidência.


Segundo o boletim oferecido a imprensa pela polícia no dia seguinte, o suspeito preso com armamento e munição no carro de Joilsom Fagundes (pai de Agnaldo) era um preso foragido que havia recebido permissão da justiça para visitar familiares no dia das mães e jamais retornara ao cárcere. O meliante fora detido e impedido de chegar ao morro do *&^%$# para onde provavelmente o fuzil e a munição estavam sendo transportados. Sua fixa era grande. Preso por latrocínio, tráfico de entorpecentes, assalto a banco dentre outras atividades. A própria Delegacia responsável pela investigação do caso Sheila/Agnaldo apresentou o B.O feito dias antes por Joilsom Fagundes denunciando o roubo do veículo. Para eles talvez só mais um caso para aumentar as já estratosféricas estatísticas de roubo na cidade, mas para mim alguma coisa não se encaixava. Se o carro havia sido levado pelo ladrão e já existia uma queixa feita pelo dono do veículo, por que a polícia só foi capturar o indivíduo depois da denuncia anônima? E o Detetive Machado, onde estaria a esta altura? Permanecia tudo muito obscuro, não seria complicado imaginar que poderiam existir elos entre todos os interessados na não resolução do duplo homicídio. Talvez o pai de Agnaldo, Detetive Machado e alguns policiais que tomavam conta do caso estivessem trabalhando juntos para dificultar as coisas. É muito comum quando um fato como este ganha repercussão na imprensa e envolve gente rica, famosa ou poderosa que algum fodido seja pego como Cristo para dar uma resposta imediata à sociedade e encerrar o assunto. Se isso fosse verdade, então Agnaldo e Sheila estavam envolvidos em sérios problemas. Cheguei a cogitar que o esclarecimento real dos fatos pudesse gerar uma crise ainda maior, sem precedentes. Joilsom Fagundes era um homem de muitos contatos, bem quisto entre celebridades e autoridades que freqüentavam seu camarote na passarela do samba. Seus negócios financiavam candidaturas, eventos importantes, shows, peças de teatro. O homem soube como se cercar. Quando vejo amigos de infância morrendo nessa guerra besta fico imaginando o quanto são estúpidos todos os que se alimentam disso. Várias vezes já me chamaram para fazer parte do “movimento”. Argumento: que essa vida que eu queira era pura ilusão, que valia muito mais a pena vender drogas para os viciados e tirar 300 reais talvez até 500 por semana do que ganhar 50 pratas para ficar horas fazendo figuração no meio daquele bando de artistas viadinhos de nariz em pé. Muitos deles inclusive “nossos clientes”. Carlinhos “boca mole” um dia chegou pra mim e disse, quer conhecer esse tipinho que aparece na TV? Vai à festa lá na casa do patrão. Quando ele dá uma festa é uma festa de verdade. Tudo regado pra todo mundo. Lá geral ta garantido porque não tem ninguém tirando foto e o clima é de liberdade total. Tem umas até que a dão mole pra gente, só não peguei ainda porque o chefe não deixa. Tem uns malucão que gostam de vir aqui, pegam nas armas, ficam dando autógrafos para molecada e tirando uma onda. A área aqui é de paz irmão, tá comprado. Os homi não chegam nem perto, só aparecem pra pegar o arrego e depois somem. A comunidade tem muito carinho pelo patrão, ele ajuda as crianças com material escolar, ajuda as senhoras, resolve problema conjugal, compra remédio, fecha as valas, concerta cano que a merda da CEDAE nunca fez questão nem de saber que existe. O Patrão gosta de você, disse que tu é boa pinta que pode fazer serviço delivery. Entregar na casa dos bacanas. A gente tem um telefone que é só discar e a droga vai em casa, o problema é que a maioria dos moleque dá na pinta e nós precisamos de alguém acima de qualquer suspeita e você com essa onda de galã de novela poderia tirar um bom salário.
Sempre recusei, não era esse meu objetivo de vida e o tal do patrão que era querido pela comunidade mais cedo ou mais tarde seria trocado por outro e depois por outro e depois por outro e assim por diante, pois igual ao “boca mole”existem milhares de garotos querendo um lugar de destaque e reconhecimento dentro da comunidade. Por isso que digo que a sociedade e burra, fica enxugando gelo. Acham que vão conseguir acabar com a criminalidade na base da porrada? Vão ficar a vida inteira fazendo esse papel de vítima enquanto continuam plantando, regando e alimentando o sistema que fingem que estão combatendo. Nunca tive essa ilusão. Posso ser um cara humilde, mas não sou burro. Sempre soube que os verdadeiros donos do negócio não andam por aqui. Estão passeando pelo mundo, levando seus filhos para a Disney, instalados em coberturas e mansões enquanto os soldadinhos pés de chinelo ficam brincando de Rambo na favela. Morrendo, deixando filhos sozinhos, mães desesperadas ou então as mantendo reféns de humilhações e visitas nas cadeias abarrotadas de bandido. A real é essa. Por isso que quero me ver longe dessa porra. Quero conseguir meu lugar numa novela, quero ter o direito de escolha. Aqui nessa merda de lugar o que muitas vezes não temos é o direito de escolha. Não poderia acusar ninguém, pois nunca tive provas concretas, mas sempre suspeitei do Pai de Agnaldo. O que Sheila me contara já fora o suficiente para ficar com um pé atrás. Estava esperando o caso ser arquivado de uma vez. Para mim estavam todos no mesmo barco, todo mundo de mão dada, ninguém queria uma real solução. Provavelmente Joilsom sabia que o filho havia sido vítima dos negócios da família e mesmo com toda dor, todo ódio, toda ira, ele se vingaria ao seu modo e quanto menos publicidade em cima melhor. Lembrei de uma frase que ouvi certa vez quando estávamos deitados depois de uma noitada de sexo. Sheila me confessou depois de chorar mágoas de ex-noivo, antigamente eles contratavam pistoleiros para resolver os problemas, mas isso no tempo do seu avô. Hoje em dia eles contratam vereadores, deputados, senadores, prefeitos, assim as coisas se resolvem onde ninguém vê. Do “boca mole” ao pai de Agnaldo todos sempre confiaram numa coisa muito bem estabelecida nesse país, a impunidade. Só os pobres vão parar na cadeia, mas mesmo assim ainda acreditam que não.

O grande dia. Malu combinou comigo o horário da filmagem. Cheguei com algumas horas de antecedência para passar o texto e me preparar. Não havia ninguém além da equipe de produção preparando a locação. Já estava com o texto memorizado, mas fiz questão que o diretor percebesse meu entusiasmo com a oportunidade. Ele me elogiara muito no teste, mas acabou me dando uma pífia participação, no entanto estava nos meus planos conquistar sua confiança para futuros projetos. Qual não foi minha decepção quando foram chegando e fiquei sabendo por Malu que seria o assistente de direção o responsável pela parte que me cabia. Mas e o diretor, perguntei. Ele está no outro núcleo, não temos tanto tempo e nem tanto dinheiro, vá se preparando. Já estou pronto. Muito bem rapaz, então aguarde e já começaremos. Enquanto aguardava fui para a sala de maquiagem. Um rádio tocava dentro do banheiro a mesma música que já ouvira pelo menos umas 30 vezes só nas últimas 24 horas. Eu nem gostava daquela canção, mas de tanto ouvir até aprendi a cantá-la e depois ficou ecoando em meus pensamentos se repetindo um milhão de vezes.
Olá, me chamo Alaíde, vamos limpar este suor, tirar o brilho, colocar um pouco de pó... Alaíde saiu falando igual uma matraca, nem conseguia respirar direito. Em poucos minutos já tinha me contato a vida toda e mais algumas encarnações. Prestei atenção em suas coxas, em seus pés delgados, bonitos, unhas pintadas de vermelho, no piercing na barriga, peitos médios. Fiquei contente de não ter mais uma bicha com maquiador. Não tenho nada contra bichas, nem poderia ter, mas é sempre melhor uma mulher passando a mão no seu rosto, nos seus cabelos. Pronto, terminei, disse Alaíde. Obrigado. Fiquei pensando em algo a mais para falar, nada vinha em minha cabeça. Alaíde significa o quê? Como assim? Qual o significado do seu nome? Não tenho a menor idéia, coisa da minha mãe. Vou procurar o significado e te dizer depois, tenho curiosidade em relação a isso, gosto de saber quais são os critérios que os pais usam para dar nomes a seus filhos. (Foi o melhor que arrumei para puxar um assunto). Fiz minha participação, conversei com Malu a respeito de datas, estava ansioso para saber quanto tempo demoraria para estrear o filme. Voltei até a sala improvisada de maquiagem e dei meu telefone para Alaíde. Se quiser saber qual é o significado do seu nome me liga. Dois beijinhos e parti de volta para minha casa. Achei péssima minha cantada, foda-se.
No caminho aconteceu algo bem curioso. Um homem de barba branca e cabelos grandes entrou na condução. Pediu atenção dos passageiros e começou um discurso muito interessante a respeito de Deus. Ele se dizia representante do divino, com uma missão na terra. Divulgar a palavra de São Tomás de Aquino. Segundo o tal senhor Aquino comprovara a existência de um ser superior, onisciente, onipotente, bondoso e atento a tudo que estávamos fazendo nessa vida. Aquilo me deixou tenso. Escutem-me; “Nada se move sem um motor anterior. Isso nos leva a uma regressão, da qual a única escapatória é DEUS. Alguma coisa teve de fazer a primeira se mover, e a alguma coisa chamamos Deus”. Segundo; “Nada é causado por si só. Todo efeito tem uma causa anterior, e novamente somos forçados à regressão. Ela só é concluída por uma causa primeira, a que chamamos Deus”. Terceiro; “Deve ter havido uma época em que não existia nada de físico. Mas, como as coisas físicas existem hoje, tem de ter havido algo não físico para provocar sua existência, e esse algo chamamos de Deus”. E quase todo mundo começou a bater palma, menos um cidadão de óculos e livros na mão que parecia ser um aluno ou mesmo professor, pois levantou de seu assento e rebateu o velho homem. “Esses três argumentos baseiam-se na idéia da regressão e invocam Deus para encerrá-la. Eles assumem, sem nenhuma justificativa, que Deus é imune à regressão. Mesmo que nos dermos ao duvidoso luxo de conjurar arbitrariamente uma terminação para a regressão infinita e lhe dermos um nome, não há absolutamente nenhum motivo para dar a essa terminação as propriedades que normalmente são atribuídas a Deus: Onipotência e Onisciência, bondade, criatividade de design, sem falar em atributos humanos como atender a preces, perdoar pecados e ler os pensamentos mais íntimos.” O senhor ficou perturbado e perguntou, qual é seu nome rapaz? Meu nome é Dawkins. E baseado em quê o companheiro chegou a esta conclusão? E lá se foi mais uma patada do cara que tinha nome de estrangeiro, mas cara de nordestino. “Pela lógica, onisciência e onipotência são incompatíveis entre si caro Senhor. Se Deus é onisciente, ele já tem de saber que vai intervir para mudar o curso da história usando sua onipotência. Mas isso significa que ele não pode mudar de idéia sobre a intervenção, o que significa que ele não é onipotente”.
O diálogo deu um nó no meu pobre e cansado cérebro, o fato é que os passageiros não entenderam bulhufas do que o tal Dawkins estava dizendo e preferiram talvez pela ignorância apoiar o lado que falava mais fácil e de forma mais simples e em uníssono começaram a vaiar o rapaz. Tem coisas que se contar ninguém acredita. No ponto seguinte o barbudo desceu e o cara seguiu seu trajeto indiferente às vaias que recebera. Queria ter anotado o tal diálogo para tentar entender melhor, pois algo me dizia que havia um porquê naquilo tudo. Talvez Deus estivesse nos testando e a nossos argumentos.
Contei o caso para minha mãe, ela muito religiosa disse que o tal rapaz deveria ser um enviado de Satanás e que não se coloca em dúvida a palavra de divina. Talvez minha mãe tenha exagerado um pouco. Existem coisas que é melhor não tentar explicar, afinal de contas que diferença faria nesse momento descobrir se existe ou não existe um Deus?
Vou rezar para ver se ele me manda um trabalhinho bom. Quem sabe Rogério não me aparece com novidades?

quarta-feira, novembro 14, 2007

Capítulo 9

( Se for a primeira vez por aqui, leia os capítulos anteriores)



Os dias passaram.Malu me ligou marcando a data de minha gravação.

Anotei na minha agenda de compromissos que estava praticamente em branco. Nada, nenhum trabalho interessante, nenhum compromisso, nenhuma festa regada a champanhe, nenhum ensaio fotográfico, nenhum passeio por ilhas paradisíacas, nenhum telefone de nenhuma mulher desejada, nenhum encontro entre amigos célebres, apenas um lembrete de que deveria ligar para Rogério e perguntá-lo como quem não quer nada se poderia entregar meu material para algum produtor de TV. Cara de pau é necessário. Com não tinha absolutamente nenhuma alternativa melhor, peguei seu número e liguei.
Alô, Rogério, tudo bem? Quem está falando? Sou eu, Flávio? Flávio de onde? Sou eu Rogério, Anselmo. Anselmo ou Flávio? Rogério, sou eu, seu amigo Anselmo, da escola lembra? Saímos outro dia para nos reencontramos numa choperia com suas amigas. ÃAAAAAh, porra Anselmo, tu ta de sacanagem? Por que disse que era Flávio? Bom, acho que tenho que tocar nesse assunto mesmo. Flávio Salinas é o nome artístico que uso. Não gosto de Anselmo, não consigo imaginar um artista famoso sendo chamado por um nome desses entende e por isso resolvi me denominar Flávio. Entendi Anselmo e prefere que te chame de Flávio então? Se puder fazer isso por mim te agradeço, aquele dia fiquei muito sem graça de te falar disso, pois as meninas estavam por perto e acho que não pegaria bem não é mesmo? É verdade, falando nisso comeu a Melissa? Demorei alguns dias, mas nós saímos sim. Mas comeu ou não comeu? Vai me dizer que ficou de namorinho com ela? A Melissa é uma menina bacana Rogério, aquele dia ficamos conversando bastante lá no motel... CONVERSANNNDO????? Tu ta de sacanagem que tu ficou no motel conversando com aquela gostosa, porra só você mesmo Anselmo. Se puder treinar e me chamar por Flávio acho que é melhor. Certo, bem lembrado, vou me esforçar. Pois então, ela não quis me dar aquele dia, disse que não fazia esse tipo e blábláblá, mas depois nos encontramos e com muito bate papo saímos para comemorar minha participação num filme e acabou rolando. Participação num filme?!? Que ótimo, ela trepa gostoso? ( Porra, eu querendo falar de trabalho e o cara querendo falar de buceta.) Cara, ela é bem gostosa sim. Ela falou alguma coisa da Carla? Não, me contou que a Carla é fanática por celebridades e está tentando uma carreira artística também. Pois é, tu acredita que depois que mulher acabou de me dar, nem disse nada e já foi perguntando se poderia apresentá-la ao diretor da novela que estou fazendo? Sério? Sério, filha da puta, era isso que ela queria na verdade, um contato com o diretor, mas quer saber, que se foda, comi ela gostoso pra caralho, aproveitei o que queria e dei um telefone qualquer só pra não encher meu saco. Cada um usa as armas que tem não é mesmo? Pois é Flávio, viu como agora acertei. Então Rogério, na verdade estou precisando de uma ajuda sua também. Fale meu amigo do peito. ( Senti uma ironia escrota no ar ) Bom, estou para participar de um filme e acho que já está na hora de tentar algo melhor, quem sabe você não.... Poderia te apresentar o diretor da minha novela? Não Rogério, desculpe, sei que muita gente deve ter se aproximado de ti para se aproveitar de alguma forma do seu sucesso e tal, mas na verdade estou realmente precisando fazer contatos e serve qualquer um. Te entendo parceiro, não posso negar que também foi na cara de pau que consegui um lugarzinho por lá. Pois então, posso te deixar um material e você entrega para quem achar que deve. Sem problemas Anselmo. Flávio, Rogério, se acostuma. Certo, desculpe, Flávio. Pode passar aqui onde estou morando e deixá-lo que entrego para um cara que conheço lá de dentro, foi quem me indicou na verdade e se ele gostar do seu trabalho quem sabe não te dá uma força também. Jura que faz isso por mim? Não prometo nada, mas não me custa deixar com ele certo? Ótimo meu irmão, muito obrigado.Onde é que você está morando? Estou num apart-hotel na Barra, quase todos os atores que estão começando moram por aqui. (Nossa seria maravilhoso conseguir um trabalho desses e ainda me mudar para a Barra, conviver com outros atores, atrizes). Legal, anotei o endereço e estarei deixando ai até o fim da noite. Você vem hoje ainda? Vou sim algum problema?
Não estarei aqui, mas pode deixar na portaria que pego quando voltar, tenho uma festa das boas para ir. Meu agente diz que tenho que estar presente no maior número de eventos possíveis para que possa sair nestas revistas de celebridades. Na verdade essas revistas são ótimas para isso, pois fazem propaganda gratuita. ( Ainda estamparei muito estas revistas, sei que vou conseguir) Legal. Ele praticamente nos obriga a participar de tudo, micareta, festa rave, show de rock, show de reggae, show de forró, Show de Calipso,onde tiver flashs e gente importante temos que estar para assegurar um lugar de destaque no imaginário alheio. Concordo com ele, inclusive te vi numa revista dessas outro dia. Pois é Anselmo, Flávio, desculpa, vou me acostumar. Flávio, Flávio,Flávio, Flávio o que mesmo? Salinas. Por que Salinas? Porque sim. Então voltando ao assunto, você me viu na revista, qual delas? Não sei exatamente são tantas e todas falam a mesma coisa. Então, vou te contar um segredo mas não pode contar pra ninguém, isso é segredo profissional. Certo, pode me contar. Você me viu com uma outra atriz não foi? Acho que sim, exatamente. Então, aquilo ali foi tudo armado, nós combinamos os três e ele ligou para assessoria de imprensa, disse onde estaríamos, o horário e tudo mais. Como assim? Muitas vezes é assim que funciona parceiro. Os artistas têm um assessoria que liga para estas revistas e combina tudo, depois nós fingimos que não sabemos de nada e somos “flagrados”. Tu ta de sacanagem? Não é sério. Claro que tem gente que já é mais famosa e tal que não precisa disso, mas muitos sobrevivem dessas revistas, são quase sócio delas, estão sempre figurando nas páginas, tem acordo, amizade, tudo mais, acaba sendo interessante para os dois lados. Caraca, achei que fosse tudo espontâneo. Que mané espontâneo nada. O meu empresário em particular é um cara bem relacionado, ele conhece todo mundo de todo meio, ele também cuida dos trabalhos de uma banda de Rock, de um artista de Hip Hop e de outros lances ai. Tem acordo em tudo que é canto pra tudo que jeito. Sabe esses prêmios que você assiste ai na TV. A banda dele sempre ganha, ele tem um contrato com a gravadora que por sua vez tem um contrato com a emissora para ganhar nas vendas da tal banda, então a emissora passa e fala do artista o dia todo, o tempo todo a banda está passando na programação, isso faz com que os adolescentes passem a gostar quase que por osmose da banda. A banda ganha milhares de prêmios isso faz com que os discos sejam vendidos, gravadora ganha seu dinheirinho, a emissora por sua vez não diexa barato e recebe participação nos lucros, a banda fica mais famosa, faz mais shows e todo mundo toma aquilo como verdade, sendo assim, fica bom para todos. Ah não é possível Rogério, não acredito nisso. Cara, estou te contando porque se você quer fazer parte do meio artístico tem que saber que nem tudo é o que parece ser e que muito do que se vive por aqui é programado e precisa ser compensado. Ninguém faz nada por ninguém de graça, você tem que se acostumar, é como se fosse um mundo a parte. Nossa, e eu pensando... Não pense muito, apenas perceba daqui para frente. Vou ficar mais atento. Olha Rogério, muito obrigado pelas dicas e pela força que estas me dando, você não sabe o quanto isso é importante para mim. Lembre-se Flávio Salinas, nada é de graça.
Ele deu uma gargalhada estranha, se despediu e desligou o telefone. Fiquei com aquilo na cabeça. Será que é verdade mesmo? Será que tudo isso é armação, que os artistas tem assessores de imprensa para aparecer nas revistas de fofoca? Será que as bandas ganham prêmios por politicagem de empresários? Nossa se for assim como ele está contando deve ser um lixo. Mas para descobrir se é verdade mesmo ou se é intriga preciso conseguir o meu lugar e para conseguir o meu lugar preciso encontrar uma porta aberta para dar o passo certo.
Meu telefone tocou. Alôuuu. Flávio Salinas? (Opa é trabalho, maravilha) Sim, quem está falando? Oi Flávio eu trabalho numa produtora que faz umas inserções em programas de TV. Tudo bom? Tudo bem. Pois então, quem me deu seu telefone foi o maquiador que fez o projeto da Brancol com você. ( Não dei meu número para aquela bicha) Sim, e do que se trata? Olha Flávio estamos precisando refazer os arquivos sonoros dos nossos programas, são inserções de vozes, de barulhos, algumas coisas de sonorização e como sei que você faz figuração aqui para a casa também, resolvi convidá-lo para participar, pagamos 100 reais a diária. E quantos dia serão precisos? Um dia só Flávio, na verdade é uma tarde, mas pagamos na hora é bem rápido, estou convidando somente pessoas indicadas, você estaria interessado? Sim, claro. ( Qualquer dinheiro ta valendo ) Pois então, nosso estúdio fica aqui no *&^%$# amanhã por volta das 16:00h ta ok pra você? (Caralho, é longe pra diabo, vou ter que pegar dois ônibus) Tá tudo bem, às 16 horas estarei por ai. Então fica combinado assim Flávio, chegando aqui te explico melhor do que se trata tudo bem? Tranqüilo. Desliguei o telefone.
O que seria da humanidade sem um telefone, principalmente um telefone celular? Acho que vou pegar essa grana e dar de entrada num aparelho novo, afinal de contas esse aqui já esta muito acabadinho. Tenho até vergonha de atendê-lo na frente das pessoas. Todo mundo com seus telefones com câmera, Mp3, visores holográficos, toques internacionais e eu com essa porcaria que só serve pra falar. Pode parecer bobagem, mas as pessoas percebem. O telefone não deixa de ser uma forma de mostrar quem somos nós não é mesmo? É assim com tudo, com roupas, carros, carteiras, bolsas, tudo, tudo, tudo. Para me tornar uma pessoa importante tenho que me comportar como tal, tenho que me mostrar como tal, caso o contrário não me darão credibilidade. Quantos mais coisas tiver para dizer que são minhas, mais importante serei, essa é a lei. Entro num crediário e vou pagando conforme a maré.

Peguei a condução rumo ao apart-hotel de Rogério para deixar meu material. Fui pensando muito nas conversas, em tudo que passara até aqui e em tudo que ainda precisaria fazer para conquistar meu lugar ao sol. Não nasci em vão. No meu mapa astral a pessoa dizia que eu seria um homem muito famoso, muito reconhecido e acredito sinceramente nessas coisas. Se as marés, as plantações, se tudo que faz parte da natureza é influenciado pelos planetas, por que só nós pessoas humanas não seríamos? Sempre leio o horóscopo antes de sair de casa, mesmo sabendo que aquilo ali é um genérico para todas as pessoas que nasceram em tal período, dá para tirar boas vibrações.
A praia da Barra é linda. Ainda vou morar nesse mesmo apart-hotel.
Desci e me fui até a portaria. O recepcionista me recebeu com um sorriso no rosto. (Será que ele me reconheceu?) Boa noite meu amigo, vim deixar este pacote aqui para o Rogério. Sim senhor, qual seu nome por favor? Flávio Salinas. Tudo bem Senhor Flávio o senhor poderia me emprestar um documento para que eu registre sua entrega? ( Como assim documento? Nunca vi isso.) Não entendi meu amigo. Desculpe-me Senhor Flávio. Pode me chamar só de Flávio. Desculpe-me Flávio, mas são normas do Hotel. Temos que registrar as entradas e também tudo que é deixado para os moradores, é uma forma de evitarmos problemas. Tudo bem, aqui está meu documento.
Coloquei em cima da mesa e já estava preparando meu discurso de explicação com relação ao nome. Desculpe-me Flávio, mas aqui diz que seu nome é Anselmo. Meu amigo, aqui é um aparte-hotel de artistas não é mesmo? Não tenho autorização para dar informações sobre os hóspedes. Tudo bem, eu sei que você sabe do que estou falando. Muitos desses artistas usam nomes artísticos, consegue compreender. Já entendi Sr.Flávio, mas terei que registrá-lo como Anselmo sim? Tudo bem, mas coloque ao lado Flávio Salinas e guarde bem esse nome, FLÁVIO SALINAS, pois ainda escutará muito falar dele, inclusive aqui no seu prédio. Confio que sim senhor. Pode olhar aqui para esta pequena câmera? Sim. Obrigado, o senhor está devidamente cadastrado e sua encomenda será entregue para o hóspede em questão. Muito obrigado, qual é seu nome por favor? Meu nome é Carlos Maciel. Obrigado Carlos Maciel, você é muito gentil. Obrigado senhor Flávio. Guarde esse nome Carlos, FLÁVIO... Salinas, vou guardar senhor, boa sorte.

De volta para casa entrei na comunidade que criei para mim mesmo no Orkut e nada, ninguém. O Brancol realmente não deve ter sido um trabalho relevante. Se não fosse Sheila Cardoso assassinada, acho que ninguém nunca teria sequer percebido que existem pessoas ali. Existem almas, corações, vidas, famílias envolvidas numa simples embalagem. Existem sonhos, glórias e tristezas e embora ninguém se importe, isso faz muita diferença para quem trabalhou e não teve seu mérito reconhecido.

O dia seguinte amanheceu chuvoso. Pegar ônibus com chuva é uma merda. Ficar esperando horas na porra do ponto. Tinha um idoso e algumas crianças com camisa de colégio público no local de modo que seria bem provável que o motorista passasse direto. Alguns motoristas de ônibus são muito escrotos, não respeitam a entrada de quem tem gratuidade. Finge que não vê, passa direto, não respeitam porra nenhuma.
Não deu outra. Passou o primeiro e não parou, o Senhor que estava ao meu lado reclamou que sempre acontecia isso com ele, segundo eles as empresas orientam os condutores a evitar ao máximo esse prejuízo. Prejuízo, perguntei. É eles só pensam em dinheiro, dinheiro, dinheiro, não estão nem ai para as leis, aliais lei nesse país deveria ser escrita em papel higiênico para as pessoas limparem suas bundas, pois ninguém respeita é nada. Tive que concordar com o senhor enquanto as crianças brincavam de chutar lama nos carros que passavam. Finalmente um bondoso motorista passou e entramos todos. Estava lotado para variar e quando o Senhor se encaminhou para o lugar destinado a gestantes e idosos o filho da puta que estava sentado lá fingiu que estava dormindo. Esperei um tempo para ver quanto durava a cara de pau, mas ele continuava fingindo enquanto ao seu lado existiam várias mulheres e o dono do lugar que parecia já ter se acostumado com o fator FODA-SE. Um cara levantou e cutucou o homem, ele nem piscava. Então o cara reclamou e o rapaz teve que acordar, resmungou, xingou virou um bate boca, o senhor ficou constrangido mas estava cansado demais e sentou. Alguns passageiros começaram a reclamar do cara que tinha reclamado, dizendo que ele babaca, que era chato, que não tinha que se meter no que não era chamado. Cheguei a conclusão que não fazia parte daquele mundinho mesquinho. Que todo mundo estava pouco se fudendo mesmo uns com os outros, que precisava ficar rico para fugir, sumir dessa vida maldita.

Cheguei ao estúdio todo ensopado. Não gosto de guarda-chuvas. Fui recebido pelo fulano que me ligou. Ofereceu-me um copo de água e me levou até uma pequena sala.
Aguarde aqui que já te explico o que faremos ok?
Na sala estavam duas senhoras bem velhinhas, um casal com umas três crianças, um cara de óculos escuros que parecia completamente chapado e eu. O fulano voltou e explicou que a produtora estava precisando renovar os arquivos de voz de alguns programas de TV, principalmente aquelas risadas que vão ao ar nos programas de comédia. Aqueles programas que passam sábado à noite e que não tem graça nenhuma as piadas, mas que escutamos umas risadas ao fundo. Sabe as risadas? Ele queria que gravássemos várias risadas em conjunto para depois inserir no BACKGROUND, como mesmo disse, dos episódios.
Puta que pariu, nunca imaginei que fosse conhecer alguém que fizesse parte do coro daquelas risadas, mas pelo visto agora além de conhecer ainda estaria participando delas. Tudo bem, precisava da grana para comprar meu celular, então fiz o trabalho junto com as outras criaturas e fiquei a tarde toda dando risada sem achar graça de nada.
Depois de dar a volta ao mundo novamente debaixo de chuva e com as ruas alagadas, consegui chegar em casa. Contei para minha mãe sobre o trabalho e ela ficou muito feliz, disse que contaria para todos os vizinhos que agora além de me verem na TV e nas embalagens de pasta de dentes, ainda escutariam minha risada. Mas mãe, como é que vão identificar minha risada no meio daquelas outras?????? Meu filho, a sua risada é a mais gostosa do mundo. Quando você era neném as pessoas se juntavam aqui na porta para ouvi-lo sorrindo. Todos vão saber qual é a sua risada. Conclui que mãe é mãe e pronto. Se ela estava dizendo, então que deixasse pensar assim, pelo menos tinha algo do que se orgulhar. Fui tomar um banho e esperar pelo próximo capítulo. Ainda pensei em ligar para o Rogério para saber se recebera meu material, mas achei melhor deixar para o dia seguinte. Liguei a TV e o jornal da madrugada estava no ar, notícias sobre mais desvios de verbas em Brasília, a Policia federal prendendo Deus e o mundo, violência no Rio de janeiro, parece a reprise da reprise, da reprise, e tudo continuaria igual se não fosse a surpreendente notícia de que uma ligação anônima colocara a polícia diante de mais fatos importantes que poderiam ajudar o esclarecimento no caso da atriz pornô assassinada. ( Caralho, transformaram a Sheila em atriz pornô e pronto, foda-se o que a família dela estaria sentindo ao ouvir aquilo) Fiquei atento. Segundo o noticiário a placa do carro denunciado pertencia ao pai de Agnaldo, o rapaz sem cabeça morto junto com Sheila. Um homem acabou sendo preso com um fuzil e munição e estava prestando esclarecimentos aos investigadores.
Como assim? O carro onde vi o detetive Machado pertence ao pai de Agnaldo? Não pode ser uma coincidência.

domingo, novembro 11, 2007

Capítulo 8

(Nota do autor: O fim de semana foi bom, postei continuação do Capítulo 7 e esse novo espisódio. Não deixe de ler o que ficou para trás.)



O Machado não estava morto e nem fora do Rio de janeiro. Consegui anotar a placa do carro.

Fiquei nervoso. Corri para o prédio onde estava marcado o ensaio. Será que Machado me reconhecera? Será que ele sabe quem sou? Peguei imediatamente o telefone e liguei para 190. Caí no atendimento eletrônico. Uma voz dizia que havia ligado para o Polícia Militar e que aguardasse o atendimento. Ora veja só uma coisa dessas. Imagina alguém em perigo tendo que aguardar o atendimento da telefonista da Polícia Militar, que vergonha. A voz continuava agradecendo a ligação e me informando que em breve seria atendido. Fiquei uns quatro minutos esperando até que uma pessoa resolveu dar o ar da graça. Policia Militar boa noite, quem está falando? Flávio Salinas. Boa noite Sr. Flávio em que posso ajudá-lo. Acabei de identificar um homem procurado, quero passar a placa do carro. Sinto muito Sr. Flávio mas o senhor deve ligara para a delegacia, aqui não é o setor de investigação, pode anotar o número por favor. Mas como assim? Em que bairro o senhor se encontra. Estou em ^%^%$#$$^ . Pois anote o telefone da delegacia da região por gentileza.
Falou a porra do telefone que não tive onde anotar e acabei esquecendo. Um ônibus acabou passando e vi por sorte um número do disque denuncia. Liguei, garantiram meu sigilo. Informei a placa do carro, o caso e o motivo da ligação. Recebi as orientações e segui para meu destino, pois já estava atrasado. Quando lá cheguei fui recebido por Malu, que por sinal estava deliciosa num vestido solto, branco. Parecia estar sem sutiã. Contei para ela sobre o que acontecera quando fiz a ligação para a PM. Ela riu da minha cara, disse que outro dia estava num bar na esquina da rua quando alguns idiotas começaram a brigar. Um deles estava sozinho e sendo espancado covardemente por outros três caras. Fiquei nervosa com aquilo, pois o bêbado caiu e bateu com a cabeça no chão e ainda sim continuou sendo chutado. Liguei para a Polícia e aconteceu à mesma coisa, mas tive um pouco menos de sorte. Fiquei um bom tempo esperando e quando fui atendida o cara já estava desmaiado e os agressores já estavam longe. Mesmo assim dei a queixa. Anotaram o endereço de onde estava e deixei meu contato com eles, pois caso o contrário se recusavam a deslocar uma viatura, poderia ser trote. Pessoas pararam para ajudar o homem desacordado no chão e sabe quanto tempo a viatura demorou para chegar ? Mais de trinta minutos. O homem poderia ter morrido. Os agressores fugiram e sabe qual foi a resposta do policial quando perguntei o motivo da demora ? “Estamos com pouco contingente para atender tantos chamados, agora pouco teve um conflito na favela e foram deslocadas várias patrulhas para lá”. Sim, imagino a quantidade de chamados nessa cidade. Imagino também que não temos policiais suficientes para tantos problemas. Seu parceiro estava prestando socorro e em seguida chamou uma ambulância, essa pelo menos veio um pouco mais rápida. Colocaram o cidadão todo fodido dentro e partiram sabe Deus lá para onde. Então perguntei, policial, por favor, desculpe a intromissão, mas quanto ganha um soldado da PM para trabalhar nesse inferno? Em início de carreira, 800 reais senhora. Só issooooooooo???? Sim, já estou a 8 anos na profissão e meu salário não passa de 1.500 reais fora os descontos. Que absurdo pensei. Não é por acaso que tem tanto policial corrupto, afinal de contas, com um salário desses e o poder nas mãos me parece até justificável tais atitudes. Interrompi Malu nesse momento. Como assim? Justificar a corrupção por ter um salário baixo? Tem um monte de gente como a minha mãe que ganha pouco, no entanto é honesta ora bolas. Mas sua mãe não tem uma arma e fé pública para tirar dinheiro dos outros meu caro amigo. Outro dia vinha eu com meu carrinho pela rua e fui parada numa Blitz, minha carteira de motorista estava vencida e o guarda vendo que poderia ganhar em cima de mim me perguntou na cara dura se tinha um café. Estava atrasadíssima para um evento e peguei 50 reais entreguei na mão do homem. Achei mais barato do que esperar todo o procedimento que provavelmente me custaria mais tempo e mais dinheiro. Acaba que é assim mesmo com todo mundo. Uma mão lava a outra e como estamos quase todos de mãos sujas não é mesmo? Bom, mudei de assunto. Perguntei onde estavam os outros atores. Já estão chegando, disse ela. Quer fumar um baseado? Quero. Pegou um pote na cozinha, arranjou uma seda e apertou um para fumarmos. O cheiro é bom. É esse aqui é do bom, peguei 50g esse mês. Tudo isso? Sabe como é. Sempre tem gente aqui em casa.
Ligou a televisão e estava passando o jornal nacional. Malu disse, já reparou que quem oferece o jornal nacional é um banco? E o que é que tem isso, perguntei. Tente raciocinar menino. A um banco não interessa determinadas notícias, determinadas decisões políticas e econômicas? O Jornal não é o responsável para passar a informação para milhares de brasileiros que consideram o que estão assistindo ali a verdade absoluta? Sim e daí? Bom, basta pensar um pouco para concluir que quando é um banco que oferece o jornal que vai passar as notícias alguma coisa este banco deve ter de interesse nestas notícias não?
O jornal começou anunciando mais um escândalo de corrupção na capital. Malu bradou, só tem carniceiro filho da puta e bandido de terno e gravata nessa porra de Congresso Nacional. Vejam só esses safados, todos almofadinhas bem vestidos, mas só ficam lá andando de um lado para o outro e chupando nosso dinheiro. Bando de corruptos. É tudo igual, entra ano e sai ano, passa eleição não muda nada. Tudo um bando de corruptos, desonestos. A câmera passou a um comentarista das notícias e Malu disse, esse ai é nosso parceiro, já fumamos vários juntos. Passa bola.
A campainha tocou. Ela me devolveu o cigarro e foi atender a porta. Pronto, agora que estamos todos aqui podemos passar o texto. Flávio, solta o preso.
Todos deram um tapa e começamos a ensaiar. Nada muito complexo. Eu era um recepcionista do hotel onde os personagens principais iriam passar a noite de lua de mel.
Minha participação se resumia a atendê-los, fazer o procedimento de entrada e encaminhá-los ao quarto. Algumas cenas se passariam até que ouviria gritos e barulhos e chamaria a segurança do lugar que enfim entraria em cena para impedir o marido de esmurrar sua mulher. O filme tinha um orçamento baixo. Demorou a ser aprovado na lei de incentivo fiscal porque não tinha pistolão. Malu contou que os produtores sabiam que existia uma máfia no Ministério que dava prioridades a certos projetos e que quem não participava da panelinha acabava se fodendo literalmente. Óbvio que a prioridade era de quem tinha nome, fama, prestígio, influência e naturalmente nosso filme não tinha muito a oferecer nesses quesitos. A estória era simples, nada demais, puro entretenimento. Violência, cenas de sexo, suspense, coisas triviais para prender o espectador. Mas com o pouco dinheiro de patrocínio teríamos que fazer mágica. Minha parte estava ensaiada, me despedi e fui embora para pegar o ônibus antes que passasse o último. No caminho de volta fiquei pensando se a polícia descobriria alguma pista do Detetive Machado. Se aquele homem no carro era ele mesmo. Meu cansaço acabou vencendo, dormi e acordei no ponto final. Bem longe da minha casa. Desci e embarquei no outro da mesma linha que faria o trajeto de volta, o motorista me deixou entrar, dei um café pra ele. Chegando, encontrei a casa com a porta trancada. Minha mãe fazia questão de me deixar do lado de fora só para saber a hora que estava voltando. Toquei a campainha e esperei. Nada. Fiquei tocando e tocando e tocando, liguei do meu celular para o telefone de casa e nada. Achei aquilo muito estranho, minha mãe sempre me aguardava. Seu sono leve como uma pluma não permitia sequer que eu caminhasse na ponta dos dedos. Apertei mais vezes à campainha e bati com força na porta até que ouvi um barulho de passos se aproximando. A porta foi aberta. Minha mãe estava estranha, parecia embriagada, mas nunca bebera na vida. Subiu sem reclamar de nada. Tranquei a porta e perguntei se estava tudo bem. Sim Anselmo, tudo bem. Agora vá dormir. Boa noite. Nunca a vira assim. Conectei meu computador, dei uma olhada nos e-mails, abri o Msn e vi Melissa. Ela já foi logo me saudando. Ficamos de papo furado até o dia amanhecer, não tinha compromisso marcado, poderíamos dormir até mais tarde.

Despertei com meu telefone tocando, número desconhecido. Atendi feliz da vida pronto para ouvir uma nova proposta, no entanto uma voz grossa e esquisita disse somente uma palavra, PERDEU e desligou em seguida. Meu coração acelerou percebi que ainda estava bem cedo e não consegui mais dormir. Deve ter sido Machado. De repente ouvi barulhos na sala, coisas sendo quebradas. Corri para trancar a porta e lembrei que minha mãe estava sozinha.
Fui até seu quarto e não a encontrei lá. Pensei na feira. Meu telefone ficara no quarto e não tinha um aparelho nos aposentos dela. Havia mais de uma pessoa. Escutava tudo sendo destruído até um deles se aproximou. Chutou a porta e entrou no quarto. Era Agnaldo com uma pistola prateada nas mãos. Atrás dele veio Machado segurando minha mãe com uma mordaça na boca. Mas você não estava morto? As risadas eram assustadoras. Se gritar morre seu filho da puta. Amarraram minha mãe dentro do banheiro. Estava apavorado diante daquilo tudo. Detetive Machado tomou a arma de Agnaldo e colocou bem no meu peito. Meu suor escorria gelado. Agnaldo pegou umas fotos de Sheila nua e mandou que tirasse a roupa. Imediatamente fiquei pelado e então ordenou que me masturbasse olhando sua noiva. Como assim? Anda filho da puta, se teu pau não subir eu te mato. Como assim? Comecei a chorar. Detetive Machado gritava faz esse pau subir caso o contrário vai pro inferno. Comecei a bater uma punheta e meu pau praticamente desaparecera. Você tem 10 segundos para levantar essa merdinha ou então uma bala atravessará seu saco. Tentei de todos os jeitos mas não acontecia nada. Detetive Machado e Agnaldo davam gargalhadas de mim. Jogaram mais fotos de Sheila nua e ouvi a contagem, dez, nove, oito, sete, seis, cinco, quatro, três, dois, um e um estampido no ouvido.
AHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH.
O que foi meu filho?
Levantei a cabeça, passei as mãos pelo meu corpo procurando sangue e nada. Ta tudo bem com você mãe? Tudo bem meu amor, o que houve? Tive um pesadelo horrível. Meu coração parecia que iria explodir. Pesadelo com o que meu filho? Com o Agnaldo, Sheila, Machado, com todo mundo junto. Me conta meu filho. Nãooooo. Deixa pra lá, que horas são? Duas da tarde. Já? Já, quer que coloque seu almoço? Não mãe estou sem fome.
Devo ter ficado impressionado com o último acontecimento e acabei sonhando. Precisava me desligar um pouco desse maldito caso. Precisava relaxar um pouco. Os dias passaram.Malu me ligou marcando a data de minha gravação.
O jornal mais popular estampava a capa,"Ligação anônima dá novas pistas para o caso de Sheila Cardoso"

sábado, novembro 10, 2007

Continuação do capítulo 7

( Para quem está aqui pela primeira vez ou não aparece a muito tempo, estamos participando de uma TRAMA muito perigosa. Recomendo a leitura desde o início no capítulo UM. Mas se a preguiça falar mais alto, procure os outros textos nos arquivos. )



Exames complementares concluíram que o filho dela era do Detetive Machado.

A primeira edição do livro “escrito” por Sheila caiu como uma bomba na imprensa. Sua irmã não perdera tempo. Aproveitando-se da fama alcançada por conta do crime e da repercussão do caso, pinçou detalhes sórdidos do seu diário virtual e jogou no ventilador escandalizando a sociedade. Sem perceber ou talvez de propósito acabara atingindo figuras importantes. Sheila tinha por costume relatar em seu solitário diário o cotidiano agitado e sua vida amorosa sem poupar ninguém. Talvez confiasse no anonimato. Não havia comentários embora o espaço fosse aberto. O que não é curioso o fato de que tirando sua irmã que compartilhava o computador, talvez ninguém mais soubesse de sua existência. Um jornal popular resolveu incluir passagens falando da relação de Agnaldo e seu pai em atividades culturais promovidas para “lavar” dinheiro. Segundo o jornal, o pai de Agnaldo patrocinava peças teatrais de atores famosos. Investia quantias milionárias na produção de espetáculos e em troca recebia o prestígio dos artistas em seus eventos. Sheila se dizia íntima de uma atriz muito famosa. Expunha críticas sobre certas partes anatômicas e de atuações entre quatro paredes. Agnaldo ao contrário do que se imaginava, participava também das festinhas e gostava de incluir outras pessoas na relação. Sheila sabia da existência de suas outras mulheres, como mostra o desabafo a seguir. “Ele sai com várias garotas. Tento agradá-lo realizando suas fantasias sexuais, confesso que até passei a gostar. Por isso também não entendo a necessidade de expor nosso relacionamento dessa maneira. Ofereço meu carinho, meu amor, meu sexo, meus segredos e o que ele faz? Quando começamos a namorar ele namorava outra menina. Jamais foi minha intenção roubá-lo. Foi tudo muito natural, mas em poucos meses depois de se separar dela e me assumir, passou a fazer o mesmo comigo. Sei que sou uma boba como minhas amigas dizem. Que ele gosta de aparecer, de “tirar onda” com seus carros e com a grana que ganha fazendo coisas erradas por ai, mas não mando no meu coração e embora saiba de tudo, acabo aceitando. Também dou minhas escapulidas, a diferença é que ninguém fica sabendo. (...) (Confio que ele nunca terá acesso a esse blog) Mulher quando quer fazer, faz direito. Homem é que é bobão, quer mostrar eficiência masculina para os amigos, contar pra todo mundo quem comeu, onde comeu, quando comeu. O pior é que ele fica dando presentes caros para estas piranhas aproveitadoras. O que elas querem dele? Desfilar na escola de samba, aparecer nos ensaios para os fotógrafos de camarotes, desfrutar de tudo que o bonitão pode oferecer em troca. O que mais me impressiona é essa gente interesseira. Se não tivesse me apaixonado por este filho da puta, não estaria mais com ele. Mas infelizmente, não mando no meu coração. Sei que ele esta metido em encrencas, sei também que é isso que sustenta esse padrão de vida que tem e que me oferece. Me sinto mal as vezes, mas a vida é assim não é? Tenho planos de me casar e ter um filho com ele, assim asseguro meu futuro. Quer saber ? Dane-se o que faz ou deixa de fazer. Direitos iguais não é mesmo?”.
Mariane garantiu uma boa quantia pelos originais da irmã. Mas contraiu uma série de inimigos e passou a receber ameaças de morte. Uma delas veio com o seguinte recado, “Liberdade de expressão tem limites, o céu ou o inferno”. Sua mãe ficou doente com tantos problemas e por conta obviamente da ausência da filha querida. Na minha opinião, descobrir tantos segredos estranhos de uma pessoa depois de criá-la com carinho, amor e cuidados especiais deve ser uma grande frustração. Perdê-la de forma tão brutal fez com que sua vida se despedaçasse e depois ainda de brinde a atitude mercenária da irmã. A pobre coitada ganhou na loto ao contrário.
Comprei uma cópia do livro. Não me mencionava. Se por um lado isso fora bom pois me mantinha longe do escândalo por outro fez me sentir uma bosta insignificante. Sobre o Detetive Machado só uma poesia dedicada a ela nada mais. Poesia ridícula sendo bem honesto. Deixa ver se me lembro de uma parte. Veja só, “ As atividades soberanas da republica do meu coração eternamente seu coração completamente invadido, dominado, constituído e sem liberdade para bater se não por ti minha amada, idolatrada, salve, salve”.

O Detetive se apaixonara por Sheila. Os dois começaram a sair e como todos já sabem,ela acabou recebendo uma sementinha do policial. Talvez por algum motivo passional o Machado deva ter cortado a cabeça de Agnaldo e ao perceber q merda que fizera, assassinado também sua amada. Quantos crimes não são movidos por esse sentimento doentio? Dizem até que serve de desculpa para diminuir a pena do criminoso. Machado sabia que o pai do rapaz tinha um bom relacionamento com autoridades importantes e ao se perceber em apuros desapareceu do mapa. Deve ter fugido para alguma cidade do interior do país. O Brasil é um ótimo lugar para se esconder. Grande, com cidades tranqüilas, algumas ainda sem luz elétrica, sem infra-estrutura nenhuma. Não é à-toa que se tornou o endereço predileto de criminosos de todas as partes do mundo. Fez merda em algum país, corre para o Brasil que é lá é bonito, tem praias, mulheres gostosas e a justiça não funciona. Quantos não vieram parar aqui? Milhares. O brasileiro é tão estranho que faz com que criminosos se tornem celebridades, adoradas pelo povo. Nenhuma pista do cidadão. Não havia provas suficientes que o incriminassem também, tudo isso é uma grande especulação de minha parte, pois a única ligação com o caso fora o sangue encontrado no carro onde o traficante apareceu queimado. Machado pode ter sido morto e levado para algum outro destino. Foda-se, isso é trabalho para investigadores.

O diretor do filme me ligou e marcou uma reunião com todos os atores e atrizes escolhidos para determinar os personagens. Fiquei ansioso pelo encontro. O que caberia a mim? Protagonista sei que não seria, mas quem sabe o filho de alguém importante para a trama ou amante de alguma personagem em que tivesse cenas de nu. Nossa, imagina só, eu com a %$#%^&8 deliciosa, peladinha. Será que conseguiria controlar meus impulsos? Só vendo. Passei a madrugada toda imaginando mil coisas. E pela manhã peguei uma condução e rumei para a casa do homem. Chegando lá, subi as escadas crente que encontraria os artistas famosos com quem contracenaria mas estava repleto de gente que nunca vira na minha vida. O Diretor explicou que nós faríamos parte do núcleo dois da estória. Flávio Salinas. Sou eu. Você será o recepcionista do hotel, aqui está seu texto. (Recepcionista do hotel? Que porra é essa?) Obrigado. Pode levar e decorar, esta semana teremos o primeiro ensaio e a Malu vai te ligar para combinar hora e local. Próximo.
Caralho, sai de lá com uma página na mão. Meu personagem aparecia três vezes somente. O texto tinha pouquíssimos diálogos e eu achando que iria pegar um bom papel. Diretor filho da puta. Tive que me conter para não voltar lá e mandá-lo tomar no cu. E todos os testes que fiz? Serviram para ser um mero recepcionista de hotel?
Vejam meus trajes, terno e gravata. Pra que todo desperdício em horas e mais horas de academia, para ser recepcionista de hotel? Esse puto deve estar de sacanagem. Só vou aceitar porque sei que posso fazer esse meu personagem crescer. Vou pensar numa maneira de convencê-lo a me dar um pouco mais de espaço.
Na volta peguei um transito fodido. Havia uma rua tomada por manifestantes. Puta que pariu. Esses merdas não tem o que fazer não é? Ficam atrapalhando a porra do transito como se juntar meia dúzia de gatos pingados fosse resolver algum problema nesta bosta de país. Um calor dos infernos, gente pra caralho dentro do ônibus e estes desocupados fazendo passeata. Quando nos aproximamos do local onde estavam os cretinos coloquei minha cara para fora da janela e gritei, vai trabalhar seus vagabundos, estão atrapalhando o transito porra. Um manifestante ainda teve a cara de pau de dizer que estava fazendo aquilo por nós. Por nós é o caralho, queria ver se fosse ele dentro daquela lata de sardinha suando em bicas. Fiquei mais um bom tempo preso dentro do coletivo até chegar em casa. Fiquei pensando. O que levam estas pessoas as ruas? Será que eles pensam que vão sensibilizar estes políticos bandidos com cartazes na mão e gritinhos de ordem? Os caras estão lá em Brasília, nem ai pro que acontece aqui no Rio de janeiro. Passeata não adianta porra nenhuma. Perda de tempo do caralho. Cheguei em casa e minha mãe estava assistindo novela como sempre. Fui ver meus recados no e-mail e procurar por Melissa no MSN. Já havíamos saído umas duas vezes e ela não me deixou tocá-la como queria. Sempre com o falso moralismo padrão, como se só eu quisesse me aproveitar dela e ela fosse um cubo de gelo sem tesão. Estava determinado a comê-la ainda essa semana. Melissa apareceu. Conversamos um pouco e o máximo que consegui foi convencê-la a se mostrar um pouco pra mim na câmera. Ela é muito gostosa, fez que ia tirar, que ia mostrar e me deixou na mão. Sobrara então os sites de sacanagem que sempre acesso.

No dia seguinte comprei o jornal. As notícias de habituais. O caso de Sheila já não merecia sequer uma notinha. Muitos outros crimes dividiam a atenção junto com as propagandas. Na mesma página havia uma manchete : Jovens de classe média espancam doméstica, logo abaixo uma foto de alguns cantores convidando as pessoas para o aniversário de um supermercado. Chega a ser ridículo. Na lógica, o que vende jornal é tragédia e quem paga as contas dos jornais são os anunciantes, logo quanto mais tragédia acontecendo mais jornais vendidos, mais caro fica o espaço, mais caro pagam esses supermercados e lojas para reluzir aos olhos de quem lê. Cansei de acompanhar a violência diária e escândalos políticos. A mim o jornal só serve pra ler a parte de futebol e o caderno cultural.
Malu me ligou marcando para logo mais a noite o nosso ensaio para o filme. Decorei meu graaaaaannnnnde texto. O ensaio estava marcado num apartamento na beira da praia. Sai um pouco mais cedo para caminhar no calçadão. Quando fui atravessar a rua no sinal olhei para o primeiro carro da fila e tive a nítida impressão de que quem estava no banco do carona era o Detetive Machado. Por um segundo nossos olhares se cruzaram, o sinal abriu e o carro arrancou com toda velocidade. Era ele sim. O Machado não estava morto e nem fora do Rio de janeiro. Consegui anotar a placa do carro.

terça-feira, novembro 06, 2007

Capítulos 6 e 7

( Depois de um breve intervalo, estamos de volta. Como podem observar o capítulo UM já não figura entre os selecionados ao seu lado direito da tela, mas nos arquivos do mês ele aparece, sendo assim, quem quiser acompanhar a estória e chegou aqui hoje, faça um pequeno esforço e busque o início de tudo. Se não quiser vai ficar curioso, pois a Saga de Sheila Cardoso, Agnaldo, Flávio Salinas, Detetive Machado, está em chamas!!!!!)



E foi ali que meu muro começou a desmoronar.

Cheiro de éter, gente vestida de branco. Acordei no hospital. Sem memória, sem lembrança alguma. Onde estive? O que fiz? O que aconteceu? O médico me pedira calma, explicou que tudo estava bem agora. Meu braço estava fraturado, o ar condicionado gelado com aquele avental verde me dera a impressão de que estava no pólo norte. De cima de uma maca observei que ao lado estavam muitas outras pessoas. Acordei na emergência de um hospital público. Era manhã ou tarde, não me lembro. Estava sozinho. O médico disse que tive muita sorte em não ter morrido ou ficado paraplégico. Desci as escadarias da área vip rolando e cai desacordado. Fui socorrido pelos seguranças e levado de ambulância. Acontece que precisava passar por alguns outros exames e lá não tinha equipamentos necessários. Fui transferido de volta para o Rio de janeiro e rodei por pelo menos cinco hospitais até conseguir uma vaga no corredor. Minha mãe estava apavorada. Ninguém sabia de mim até conseguir dar um telefonema. Amigos? Amigos sumiram, só fiquei sabendo deles dias depois quando finalmente consegui sair daquele inferno branco. Minhas lembranças são as piores possíveis. Gente baleada, gente largada pelo chão, médicos gritando, criança chorando, passou um rapaz que havia caído de uma árvore com a cabeça arrebentada, subiu o elevador e quando voltou já estava no saco preto. Perguntei a enfermeira o que tinha acontecido e fui informado de que não resistira aos ferimentos. Depois ouvindo conversas internas de corredor, fiquei sabendo que o hospital não tinha condições de fazer a cirurgia, não havia mais de um especialista no local. A tentativa de salvar a vida do jovem fora decidida através de um sorteio, ele perdeu. Inferno. Inferno. Todo mundo fodido. Nenhuma estrutura, nenhum recurso. Sem plano de saúde me submeti ao que grande parte dos pobres fodidos sem assistência médica se submetem. Humilhação. Passado o sufoco voltei para casa e recebi as últimas notícias com relação ao caso de Sheila. A policia não sabia de porra nenhuma. O Detetive Machado continuava desaparecido, sua família não tinha nenhuma notícia, suspeitas de que estivesse morto.
A imprensa publicara declarações de uma pessoa que preferia manter-se anônima. O traficante queimado no carro tinha relações estreitas com Agnaldo. Segundo consta, eles estariam montando uma rede de distribuição de drogas sintéticas. O pai de Agnaldo respondeu acusando o responsável pela denuncia de complô para sujar a imagem do filho. Sujar a imagem do filho? Caralho, o filho nem tinham mais imagem de tão sujo, parecia um borrão. A policia concluíra através de investigações e grampos telefônicos que o policial vítima de Agnaldo não tinha qualquer ligação com o caso. Fui novamente procurado pelos homens da lei. Questionaram meus ferimentos. Expliquei que estava numa festa e que havia tombado de uma escada. Meus boletins médicos confirmavam a versão. Queriam mais detalhes sobre meu relacionamento com Sheila Cardoso, ela morrera grávida e o filho poderia ser meu. Num primeiro momento meu impulso foi negar, disse que havíamos transado sim, porém com todos os cuidados necessários. Um deles sorriu maliciosamente e blefou, sorte sua garoto, pois ela estava infectada com o vírus HIV. Fazia filmes pornográficos e provavelmente deve ter contraído a doença de algum puto com quem filmara. Depois descobri que fazia parte de um ataque psicológico. Eles queriam me intimidar, me assustar. Entrei em contato com a irmã de Sheila e ela me garantiu que os médicos legistas não encontraram nos exames feitos qualquer evidência de alguma DST. Fiquei um pouco mais aliviado. Faltava confirmar a gravidez. O caso já estava começando a dar ares de que iria se transformar numa pequena nota no jornal. Chacinas e balas perdidas estavam inundando de sangue às publicações, conflitos entre traficantes, a cidade em guerra civil e como faltava a policia recursos mais amplos para a investigação, tudo se encaminhava para o arquivamento nas pastas dos homicídios sem solução. Mais da metade, diria até, muito mais da metade dos homicídios no Brasil não são resolvidos. Falta estrutura, inteligência, cuidados especiais por parte da perícia, para que os casos possam ser esclarecidos. Como o Rio de janeiro é uma fábrica de presuntos, seria realmente impossível esclarecer tantas mortes. Em menos de seis meses foram mais de 4.500 crimes, fora os desaparecidos. Detetive Machado era o que mantinha a investigação respirando por aparelhos, afinal de contas era policial e mantinha relações cordiais com a corporação. A reação do pai de Agnaldo me chamou atenção. Ele sempre que perguntado dizia, deixem à memória de meu filho em paz. Ele foi morto, acabou, não voltará. Parecia satisfeito com a falta de esclarecimento do caso. Perguntei-me se essa postura talvez não representasse o medo de que a morte do seu filho pudesse ligar os envolvidos a suas atividades ilegais. A família de Sheila também não se pronunciava. Alguma coisa muito estranha estava envolvendo esse silêncio de ambas as partes. Entre os familiares das vítimas de violência existe um comportamento quase padrão, a revolta, a busca por justiça, o inconformismo com a perda. Mas pareciam congelados. Os pais de Sheila se diziam desacreditados na justiça, na policia, no Governo, nas autoridades. Quantos casos não acompanharam de pessoas que foram mortas e os responsáveis continuaram soltos, livres, sequer identificados. Até assassino confesso prestigiava de liberdade. Num país onde o crime contra o patrimônio gera mais tempo de reclusão do que o crime contra a vida a descrença numa conclusão aceitável era totalmente normal. Confiavam somente na justiça divina. Restavam-lhes as fotos, as roupas, os objetos que permaneciam intactos no mesmo lugar onde a filha deixara em seus últimos momentos. O fotolog e o blog passaram a receber visitas recordes. Também estavam circulando pela rede fotos tiradas no local do crime. Incrível como as pessoas gostam de compartilhar esse tipo de material. Fotos da cabeça de Agnaldo, do corpo destruído, do local do crime, ermo, escuro. Fotos do corpo de Sheila machucado, com os olhos semi-abertos. Estes arquivos bateram no meu e-mail e confesso que não consegui me controlar. Eu falo dos outros mas assumo que também vejo quando me mandam. Não sei o que acontece. Algo é mais forte.
Mais alguns dias e já estava livre do gesso. Mantive minhas atuações como figurante. Já não agüentava mais. Precisava evoluir. Procurando por testes entre as escolas de teatro que freqüentava descompromissadamente descobri que um filme estava abrindo seleção para elenco. O fato de ter quebrado o braço, interrompeu meu ciclo na academia. Tive que ficar afastado dos exercícios por algum tempo e para não perder a grana vendi meus “produtos” para outros caras. Compradores nunca faltaram. Guardei a grana. Tocou meu telefone, era Melissa, queria saber como estava, ficou sabendo através da Carla que havia me metido numa confusão e que acabara indo parar no hospital. Expliquei que tinha despencado da escada, não lembro de ter brigado com ninguém. Melissa queria me ver. Queria ver Melissa. Combinamos de nos encontrar.
Participei do teste para o Filme. Dias depois estávamos comemorando juntos.
Finalmente consegui passar num teste. Não seria o protagonista mais o diretor gostou do meu desempenho. Disse que fotografava bem e que me daria um bom papel, me restava aguardar o fim da seleção. Agora sim, seria reconhecido, um filme, a passagem para me tornar um astro famoso, uma figura importante. Me aguardem !!!!!
Fiz os exames pedidos pela polícia incluindo os de DST. O Filho de Sheila não era meu, mas também não era de Agnaldo. Exames complementares concluíram que o filho dela era do Detetive Machado.

Intervalo 2

(Interrompemos nossa programação para o resultado do desafio público ao políticos)



Você pode escolher viver alienado ou angustiado.
Você precisa entender que tudo tem um limite.
Que existem coisas que mudam e coisas que nunca vão mudar.
Precisa tomar consciência: em alguns assuntos nunca se deve tocar, principalmente naqueles que são a base, a raiz, a corrente que alimenta o tal "sistema".
Precisa descobrir que por razões econômicas verdades são vendidas como mentiras e vice versa e que pelas mesmas razões elas podem trocar de lugar num piscar de olhos desde que seja conveniente.
Deve entender que são poucas as pessoas interessadas em que seres humanos consigam aprender a ler mais do que só palavras.
Deve perceber que existem questões que tem solução, contudo não interessam serem resolvidas, muito menos divulgadas, quiçá divagadas.
Que é mais fácil acusar quem já se omite do que se colocar a disposição de sua própria lei.
Que é mais conveniente estereotipar indivíduos do que conhecê-los.
Você precisa saber que alguns grupos fingem que são inimigos.
Precisa observar que o mecanismo que os alimenta é sutil, porém guardado a sete chaves.
Deve questionar tudo tendo consciência de que certas respostas só serão empregadas quando os escravos já estiverem castigados e condicionados.
Tem que aprender que o que rende pauta para imprensa por muitos e muitos anos jamais será trocado por uma que renderá somente algumas semanas.
Que são poucas famílias que mandam no Brasil.
Que nem todo mundo quer abrir mão de seu conforto, de seus prazeres, de seus ganhos pessoais para se colocar a disposição de uma mudança coletiva.

Já deve ter percebido que o poder corrompe o caráter.
Que o dinheiro distorce personalidades.
Que falar é mais fácil que fazer.
Que acusar é mais simples que provar.
Que amar é mais difícil que odiar.
Que falar mal é bem mais natural do que abraçar.

Você pode escolher ser coerente ou hipócrita.
Pode preferir sombras a luz.
Pode fingir ser o que não é.
Já deve ter notado que críticas construtivas são raras justamente porque muitas vezes o crítico não está interessado em construir nada.

Que em um minuto podes acabar com o trabalho de uma vida toda.
Que a confiança é traiçoeira.
Que a fidelidade em alguns casos é antinatural.
Que quase ninguém sabe o que é verdadeiramente a ética.
Que o mesmo acontece com relação a um paradigma.
Que julgar é inerente da alma humana.
Que um equivoco pode ser consertado com humildade.

Você terá que aceitar que para se tornar descartável basta ter cumprido seu papel.
Que a dependência é o berço esplendido.
Que colocar palavra na boca dos outros é uma forma de dizer o que desejamos.

Você não precisa acreditar, mas o mundo é uma farsa.
O ser humano é cruel.
A vida humana vale muito pouco.
Que a culpa é o fiel escudeiro dos que querem sua salvação.
Que a esperar por esperar não pode ser esperança.
Que o maniqueísmo padrão é o melhor amigo da irracionalidade.
Que por aqui somos mais passionais do que racionais.
Que existe pouco pragmatismo.
Que passar os outros para trás é comum.
Que o superficial esta sendo cultuado.

Você quer realmente saber o que aconteceu no dia em que desafiei o sistema?
Como um todo ele se mostrou altamente blindado e que ousadia não deve ser levada a sério. Que quem tem telhado de vidro não vai querer jogar pedras para o alto.
Que existem mais telhados de vidro do que definições para palavras e significados.
Que fui um ridículo ao crer que estamos desejando de fato alguma mudança.
E que a violência é o que rende lucros para todos.

Acabar com a violência é aniquilar o mecanismo econômico que faz o mundo girar.
Políticos, imprensa, ONGs, artistas, médicos, policiais, juizes, latifundiários, empresários, bandidos, padres, pastores, profetas, gente, gente, gente, todos dependem da violência para sobreviver e como o sexo é o inicio de tudo e a morte o único fim, é ela, a violência quem alimenta nossa curiosidade mórbida, que nos faz crer num único Deus, que nos desperta para o sono profundo, onde a mola que impulsiona a civilização é puramente a destruição do meio em que vivemos.

Somos todos suicidas e fingimos que não.
Estamos acabando com a natureza e sempre estivemos em guerra.
O nascimento e a morte são nossos únicos objetivos reais, o que preenche este meio do caminho é a existência caótica que reluz aos olhos de nossa competição.
Desde o útero foi assim.

Quem vai ganhar no final?
Ninguém.

Viva o carnaval.
Viva a copa do mundo de 2014
Viva a verdade de mentirinha
e a mentirinha de verdade.

Tico Sta Cruz

domingo, novembro 04, 2007

Capítulo 5,9

(Não deixe de ler os capítulos anteriores para entender a estória)


Ah não fode porra, a mulher tá morta seu infeliz, por que quer saber? Curiosidade.

A Brancol continuava faturando alto com as vendas da pasta de dente. No meu contrato não constava participação nos lucros obviamente e no contrato de Sheila não constava nenhuma cláusula que impedisse a empresa de usar sua imagem em caso de falecimento. Por ter se tornado uma celebridade após sua morte, a irmã resolveu pegar o conteúdo de um Blog que Sheila mantinha na internet e negociar com algumas editoras que se interessaram pela curiosa história. Pelo visto a morte de Sheila fez com que sua vida se tornasse mais interessante para as pessoas. Quem sou eu para julgar se existe escrúpulo ou não na atitude da família? Eles também não tinham muitos recursos e materialmente estavam começando a receber um pouco mais devido a entrada de um advogado conhecido no caso que orientou a família a cobrar dos produtores dos filmes os direitos de Sheila. Os produtores alegaram que a pirataria estava prejudicando a venda, os títulos estavam em todas as bancas de camelô competindo de igual para igual com um outro sucesso nacional. Um falava de sexo e o outro de violência, as molas que movem à humanidade. O fim de semana chegou e Melissa não deu o ar da graça, acho que não se interessou muito por mim. Foda-se. Fiquei sabendo que iria rolar uma Rave num castelo na serra e combinei de ir com amigos. Curto muito música eletrônica como todo mundo, não sou muito de ir às festas, mas quando vou eu vou e pronto. Fumamos um antes de sair de deixamos claro com Roberto o único careta do grupo que ele seria o responsável por nossa ida e nossa volta. É sempre bom ter um careta no grupo, pois assim não corremos o risco de algum retardado assumir o volante e causar transtornos na estrada. Há um ano e pouco atrás perdi 3 colegas de escola num acidente escroto de carro. O de sempre, estavam dirigindo bêbados. O pior não foi terem morrido no acidente provocado por eles mesmos, o pior foi uma família que estava saindo da maternidade com seu filho recém nascido e fora atingida pelos irresponsáveis. Acho o seguinte, quer beber e dirigir então se mata sozinho porra. O filho da puta que entra num carro sabendo que o motorista está doidão é tão estúpido quando o que resolveu pegar o carro. Eram meus colegas, mas isso não me impede de achá-los idiotas. Foi foda pra família, dois deles eram filhos únicos. Você deve estar se perguntando a respeito da outra família que saía da maternidade, por sorte sofreram várias fraturas e ferimentos, mas ninguém morreu. O Bebê saiu ileso. Milagres acontecem!!! Seria uma tragédia completa. Partimos para a serra com Roberto no volante. Estávamos num grupo de quatro pessoas. No caminho apostamos quem daria mais beijo na boca, quem pegaria mais mulheres. Essa é a melhor parte. Aproveitamos que o clima está sempre conspirando aos fascínios do amor, mesmo que seja um amor químico e nos esbaldamos. Acho que a música eletrônica, as Raves representam hoje o que o rock e os festivais representavam nos anos sessenta e setenta. Quando vejo aqueles filmes com shows históricos onde à galera está suja de lama, todos visivelmente alucinados e se divertindo ao lema da paz e do amor é inevitável a comparação. Hoje o rock está falido, morto, repetitivo, patético, com bandinhas produzidas para fazer sucesso, para agradar essa juventude careta e alienada que só ouve o que toca no rádio e não conhece nada além do que a porcaria da MTV lhes apresenta como sendo original, bom e cool. Por isso que enquanto os shows de rock movimentam 5 mil, 10 mil pessoas quando sim, uma banda conhecida e popular, as raves movimentam 30 mil, 50 mil pessoas. O Rock morreu. Mas eu gosto de rock e vou aos shows quando posso, só não me pede para ouvir rádio e ligar na MTV que isso pra mim é tortura. Por conta dessa mentalidade que só pensa no ibope e no dinheiro é que a porra tá indo por água baixo. Veja se as músicas eletrônicas ou os Djs mais famosos do mundo tocam nas rádios, aparecem na TV? Não, no entanto as festas estão sempre bombando. Na última que fui experimentei pela primeira vez uma bala. Tinha medo da reação que poderia me dar, as pessoas falavam tanto e tanto e tanto, e tomavam tanto e tanto como se fosse realmente jujuba que resolvi experimentar. Não me arrependo, foi uma delícia, nunca beijei tanto na boca, ficava me esfregando nas mulheres como se nossas peles fossem grudar, meu Deus, que delícia. A vontade de abraçar todo mundo e o sentimento de amor era sensacional. Não sabia o porquê, toda hora me davam um copo de água, depois descobri que a temperatura do corpo fica muito alta e que é preciso beber água para hidratar e não ter um colapso. Nessa Raves quem ganha dinheiro é quem vende água.
Finalmente chegamos ao nosso destino, e foi difícil achar uma vaga para o carro. Os flanelinhas estavam escalpelando, cobrando 20 reais para tomar conta do automóvel, porra 20 reais é caro pra caralho. Roberto pagou, não queria correr o risco de ter sua pintura arranhada. Entramos, estava tudo ainda muito calmo, não passava das duas da manhã e o pico dessas festas acontece quando o sol está para nascer e ai tá todo mundo fritando então vira uma maravilha só. Fumamos mais um baseado e deixei a pílula para quando o sol desse as caras. Minhas duas primeiras horas foram de observação, só peguei uma três meninas. Só beijinho na boca, no máximo mão no peitinho. Tenho uma ética, não pego menor de idade. Não pego, não adianta. Num determinado momento meus amigos sumiram, como de costume e resolvi dar uma volta sozinho para ver se encontrava outras pessoas. Observei a área VIP lá, isolada do resto da festa. Passei por perto e notei que estavam presentes alguns atores e tinha até uma galera de umas bandas de rock que gostava, o rock se rendendo a música eletrônica hein. Como queria estar lá no meio deles, aproveitando a festa, dando tchauzinho para o público como se fosse um rei e as pessoas implorando um pouco de atenção embaixo como se fossem meus súditos. Resolvi que iria tomar minha bala e quando busquei no bolso não a encontrei. Puta que pariu, fiquei puto, procurando em todos os lugares até concluir que havia perdido. Então me restavam duas opções, comprar uma de alguém ou encher a cara de uísque. Fui perguntando quem tinha, mas estavam cobrando muito caro, lógico. É a lei do mercado. Com o pouco dinheiro que tinha achei melhor comprar tudo em cachaça. Nem para o uísque dava. Tomei três copos e em pouco tempo comecei a sentir os efeitos da pinga no meu sangue. Nenhum sinal dos meus amigos. Fui à direção da área VIP, a esta altura já estava alucinado e sem nenhuma vergonha. Tentei entrar e logicamente fui barrado. Expliquei quem eu era, o que fazia, disse que tinha perdido minha pulseira, mas não adiantou. Tentei dar uma idéia no segurança, mas ele foi bem arrogante comigo. Fiquei então parado perto da grade observando a entrada das celebridades, tinha Big Brother, Big Sister, Big bosta, essa gente que fica famoso sem fazer merda nenhuma. Só por ter aparecido durante alguns meses numa casa alimentando a fome de fofoca do povão. Quando entravam espocavam flashs para todos os lados. Devo ter aparecido atrás. Foi quando ouvi uma coisa curiosa. Uma menina estava tentando entrar na área VIP também e não tinha a pulseira de ouro. Mas o segurança disse o seguinte, que se ela desse uma chupada no pau dele liberava a entrada. Não acreditei no que estava ouvindo, mas o pior é que a criatura aceitou. Puta que o pariu, os dois saíram juntos para algum lugar onde provavelmente ela chupou o pau dele e depois quando voltaram a menina entrou sem pulseira mesmo. Fiquei me perguntando quantas mulheres entraram nessa porra dessa área Vip pagando o ingresso de uma chupada na rola do segurança. Juro que não é mentira. Como não iria chupar nenhum deles, precisava bolar um plano para entrar na área Vip. Fiquei ali e já passava das cinco da manhã, a festa bombando e meus amigos a esta altura já deveriam estar em outra dimensão. A sorte bateu a minha porta. Um casal global discutia feio. Um barraco só, acho que a mulher viu o cara pegando outra no banheiro químico e deu uma merda dos diabos, eles saíram putos brigando. Fui até o meio do caminho atrás e óbvio entre as pessoas os dois passavam sorridentes como se nada estivesse acontecendo. Foi quando abordei o fulano e perguntei se ele poderia me dar sua pulseira. Ele foi bem escroto comigo, me mandou ir à merda e disse que aquilo ali não era convite para ralé. Mas como a mulher dele estava puta com o babaca, tirou sua pulseira e me ofereceu sorrindo. Agradeci e ouvi os dois se afastando e trocando farpas. Pronto, meu acesso a área VIP estava garantido e sem precisar chupar o pau de ninguém. Agora era aproveitar a chance para conhecer algumas celebridades e quem sabe alçar minha entrada para o seleto grupinho dos famosos. Passei pelo segurança que me barrou mostrando minha pulseira VIP, douradinha da silva e um mundo mágico se abriu diante dos meus olhos. Parecia outra festa. Uma decoração toda em dourado para combinar com as pulsieras e temas psicodélicos, muita gente bonita, garçons servindo bebidas de todos os tipos, comida liberada, um verdadeiro paraíso. Foi quando vi um ator famoso num canto com outros caras fumando um baseado. Pensei, que cara escroto, outro dia estava na televisão dizendo que não usava drogas que se preocupava com os filhos dele e um monte de blábláblá e agora está ali fumando maconha. Filho da puta hipócrita. Junto com ele outros vários famosos se divertindo, bebendo e fumando. Passou por mim uma capa de revista alucinada, com os olhos esbugalhados e dando gargalhadas para todos os lados. Comecei a entender então como era o mundo real dentro do mundo da fantasia. Peguei um copo de uísque e fiquei bebendo e observando de longe. Vendo as mulheres que não eram famosas. Tentava descobrir quantas entraram com o convite do chupa pau. Estava tudo muito bom e muito bem quando para variar estancou uma briga no meio do espaço sagrado. Um cara fortão e o outro que parecia ser lutador começaram a se socar. Foi quando o fortão que estava completamente transtornado puxou um revolver e disse que era delegado. Pensei, agora fudeu. Foi uma gritaria e gente correndo para todos os lados, até que um parceiro dele entrou no meio e pediu que retirassem tal lutador do local. O lutador não se intimidou com a arma e começou a gritar. Tu é um filho da puta sem vergonha, cheirou a porra do meu pó todo!!!!! Filho da puta. O Delegado continuava apontando a arma e com os dentes trincados dizia, some daqui seu merdinha ou então te mato na frente de todo mundo. Foram alguns minutos de muita tensão mas logo tudo voltara ao normal, os atores continuaram fumando maconha num canto, o delegado continuou cheirando no outro, continuei sozinho sem conseguir pegar ninguém e o som rolando solto. O dia estava amanhecendo lindo e como se fosse uma alucinação vi de longe quem? Quem?


Carla com sua máquina em punho tirando fotos com todo mundo. Big Brother, jogador de futebol, delegado, modelo, atriz, ator, cantor, qualquer merda que fosse semelhante a algo importante estava em sua rota de ataque. Me aproximei e perguntei se lembrava de mim.
Ela gritou : ANNNNSELLLMOOOO, tudo bom ? ( FLÁVIO, PORRAAAAAAA) Respondi que estava tudo bem sim. Logo emendou e seu amigo Rogério como anda? Respondi que não havia mais visto. Ela foi falando um monte de coisas sem importância e me disse para esquecer aquele dia, que ela não era nada daquilo que ele estava pensando. Disse a ela que não estava pensando nada. Ela meteu a mão no bolso de sua micro saia e pegou dois comprimidos, perguntou se queria tomar junto. “É uma forma de mantermos um pacto de silêncio, tudo bem?”. Não precisava de merda nenhuma daquilo, que espécie de gente essa mulher pensa que sou? Mas como estava afim, me aproveitei e quem sabe ela não me oferecesse um pouco mais? Não era assim que ela estava se colocando naquele momento?
Meu muro começou a desmoronar.

sábado, novembro 03, 2007

Capítulo 5

(Favor ler os capítulos anteriores da saga )

(...) ganhei um dinheirinho no jogo do bicho. Vou trocar nossa televisão.

Fiquei feliz pela felicidade de minha mãe. Ela merece, afinal, já jogou na Loto, na Sena, na Mega-sena, na loteria esportiva, na Tele Sena e até foi fiel ao carnê do Baú, mas nunca ganhara nada. Ela reservava sempre um trocado para se divertir no Bingo e ficou fula da vida quando belo dia chegou para uma partida e as portas estavam lacradas com adesivos da polícia federal. Embora goste de TV minha mãe não estava sabendo da proibição imposta pelas autoridades, ela não é telespectadora de noticiário, quando a novela acaba se dirige para a cozinha e só volta quando recomeça a próxima, das oito horas. Se perguntá-la quem são os políticos que comandam o país não vai saber responder, mas sabe o nome de todos os personagens das tramas televisivas. Não a culpo por isso. Minha mãe é só mais uma senhora que teve sua vida inteira dedicada ao marido e aos serviços domésticos. Quando meu pai partiu, ela passou a sobreviver de sua pensão, nunca tivemos grandes privilégios na vida. Tenho muita vontade de poder proporcioná-la um bem estar que sei que seu dinheiro nunca poderá comprar. Acredito que algum dia isso será possível. Uma Televisão nova será de grande utilidade para diverti-la e quem sabe também para acompanhar minha carreira?
Meu telefone há tempos não tocava para trabalho algum. Acendi umas velas para meus santinhos e lhes pedi uma forcinha. Nunca falhou. Peguei o telefone e resolvi ligar para Melissa, afinal depois daquele fatídico dia não nos falamos mais e fiquei com suas palavras e seu olhar guardados na memória. Liguei, chamou, chamou e ninguém atendeu. Não deixei recado na secretária eletrônica. Um pouco mais tarde tentei novamente e nada. Comecei a achar que havia me dado o número errado. Fui parar diante de meu bom e velho computador. Vaguei algumas horas pelo Orkut, respondi os recados, visitei algumas comunidades, procurei por Melissa e a adicionei. Por curiosidade fui dar uma olhada em seu álbum de fotografia e percebi que ela tinha muitas fotos com seus familiares e amigos, pelo visto não havia um macho na parada, caminho livre? Notei Carla em sua lista de amizades e fui dar uma bisbilhotada também.
No álbum de Carla só fotos com celebridades, incluindo Rogério. Tinha ela com cantores de pagode, de rock, de axé, com atores globais e de outras emissoras, sempre sorridente e com um olhar expressivo, como se fosse íntima deles. No seu perfil ela se definira como uma mulher inteligente e bonita, determinada e culta. Usando frases de efeito “Você nunca realmente perde até parar de tentar”. Nossa que coisa surpreendente. E tinha mais: “Se você quer um arco-íris tem que aguentar a chuva”. Hummm. E que tal essa “Ninguém jamais se afogou em seu próprio suor”. Brilhante. E essa? “Amar em segredo é como ter asas e não poder voar”. Romântica. Carla era realmente uma mulher interessante. No mínimo gostosa. Com aquele peitinho e aquele boquete nem precisava ser inteligente. Enfim, acabei me embrenhando em suas comunidades, algumas bem vulgares, outras sem sentido algum. Fui até a comunidade que criei pra mim mesmo usando um nome falso. “Eu adoro o cara da Brancol”. Verifiquei que não havia entrado ninguém ainda, somente eu e o fake que criei para poder criar a comunidade. Meu fake usava para descobrir coisas importantes sem deixar pistas. O tempo passa rápido nessa porra desse site.Mas não tinha muito o que fazer mesmo. O Orkut é um fenômeno interessante, toda vez que vejo alguém acessando um computador de um local público a página encontra-se nesse endereço. Eu gosto do orkut, já consegui me comunicar com vários artistas importantes. Alguns não tive absoluta certeza, pois existe muita gente se passando por celebridades, mas outros foram simpáticos e acessíveis, acabei ficando amigo e sinto um imenso orgulho em ostentá-los em minha lista de amizades. De repente quem surge no Msn? Olá Melissa, tudo bom? Lembra de mim? Não, quem é que está falando. Vi que precisava colocar uma foto minha. Imediatamente troquei a imagem. Sou eu Flávio. Flávio? Que Flávio? Flávio, nós passamos uma noite no motel conversando, não se lembra? Não me lembro, que brincadeira idiota, vou lhe deletar. Olha a foto e veja se parece alguém que você conhece. Anselmo? Putz, me lembrei que ela não sabia que eu era o Flávio e que o Rogério havia me apresentado como Anselmo. É, Anselmo. Seu nome é Anselmo Flávio? Não, meu nome é Anselmo, mas meu nome artístico é Flávio Salinas. Ela mandou um risinho irônico do outro lado. E ai, tudo bom Melissa, tentei te ligar, mas você não atendeu. É que não atendo números sem números. Como assim? Não atendo números onde na bina aparece “desconhecido”, minha tia outro dia caiu num trote passado por algum bandido e quase morreu do coração, disseram que tinham seqüestrado meu primo e tudo mais, porém o que os bandidos queriam era um cartão telefônico e minha tia coitada, fez tudo que eles pediram. Meu primo acabou chegando quando ela acabara de passar o código do cartão e só depois entendeu que havia caído num trote. Por isso não atendo. Entendi, faz muito bem. É que meu número é restrito de propósito. Pois então e as novidades? Não tenho muitas novidades, estou na mesma. Esperando para ver se rola uns testes essa semana. Legal, estou estudando para a prova. Que prova, você não é formada? Sim, estou tentando entrar para a Aeronáutica. Vai ser aeromoça ? Dãaaaaaa, bobão. Desculpe, estava só brincando. Mas qual sua intenção em entrar para a Aeronáutica? Trabalhar com a parte de assessoria de imprensa. Meu pai é militar e vejo o quanto é um emprego seguro. É verdade, seguro mesmo. Então quero esta segurança também, hoje em dia está muito difícil trabalhar em jornal, não existe uma liberdade para a notícia entende? Os jornais têm sempre interesses políticos ou econômicos envolvidos em suas matérias, esse negócio de independência editorial é uma bobagem. Sério? Como assim? Sempre achei que o que saia no jornal era de fato um fato. Sim, são fatos, mas a forma como são colocados é que muitas vezes faz a interpretação do leitor sofrer a influência dos interesses do jornal. Ah, isso é maluquice sua Melissa.Você acha que é maluquice minha? Os jornais estão todos comprometidos, a eles interessa sempre um grupo. Existe o que pode sair e o que jamais vai chegar até o conhecimento público. Muitos jornais vendem matérias para falar bem de autoridades e governos. Muitos jornais pertencem a políticos e uma vez assim, como podemos abordar os assuntos de forma livre? Será? Lógico, quando pegar um jornal pergunte a quem interessa determinada noticia, assim você poderá filtrar melhor as informações. Tudo bem.Vou seguir seus conselhos. Isso serve inclusive para o caso de sua amiga Sheila. O caso de minha amiga Sheila continua na mesma. Pois é, o pai do rapaz não é um cara influente? Sim, acho que sim. Então pode acreditar que muito em breve teremos uma solução, se não tiver eles inventarão uma. Bom, mudando de assunto. Fale-me. Vamos nos encontrar nesse fim de semana? Nesse fim de semana? É. Pode ser, o que está pensando em fazer? Não sei, que tal sugerir, qualquer coisa, menos ir ao motel. Tudo bem, terei que sair agora. Me liga e a gente combina. Tudo bem Melissa, te ligo até o fim da semana com alguma sugestão. Beijos, to saindo.
Nosso papo foi bem ilustrativo. Melissa é uma mulher inteligente e gostosa. Fiquei pensando num programa que tivesse seu perfil. Fui para a academia encontrar com um brother que tinha me prometido uns “produtos”. Na verdade não era nada demais, apenas um ciclo de Winstrol para ficar com o corpo mais definido. Nessa minha profissão, imagem é tudo. O dinheiro que havia guardado de minha última figuração foi todo para as bombinhas, estava investindo em mim mesmo. Tomei uma dose lá mesmo, ele sabia como aplicar. Difícil seria arrumar uma farmácia para fazer o trabalho. O parceiro que aplicava em todo mundo na drogaria da esquina foi demitido e o cara que entrou no lugar dele disse que é honesto e que não pode fazer o serviço. Tá bom. Muito honesto sim. Foda-se. A Carolina está fazendo curso de enfermagem, então acho que ela será minha alternativa para as próximas 15 injeções.
Peguei uma carona, pois estava chovendo. Meu amigo estava ouvindo uma rádio de notícias. Perguntei se não tinha nada mais interessante para ouvir e ele disse, “você deveria estar interessado, pois estão falando sobre o tal Detetive Machado”. Todo mundo realmente sabia do caso, pensei. O que estão dizendo? Que o corpo encontrado no porta malas não era dele, mas o sangue no estofado do carro sim. Como assim? O Corpo era de um traficante, mas havia sangue no estofado do carro e o resultado comparado com de seus familiares deu positivo. O que significa que o Detetive Machado está envolvido nesse caso também. Deve existir alguma ligação entre o Machado, o traficante morto e Agnaldo. Talvez a polícia conseguindo unir as peças, possa finalmente resolver o caso. Posso te fazer uma pergunta Anselmo. ( Flávio, caralho) Pode. Você comeu a menina? Ela era bem gostosa hein, vi o filme dela.
Ah não fode porra, a mulher ta morta seu infeliz, por que quer saber?
Curiosidade.