Meu computador esta sobre o frigobar do quarto ligado na tomada em que estava a televisão. Atrás dele tem dois copos vazios e uma pequena cesta com biscoitos, bebidas alcoólicas e um doce que não conheço. Um quadro de flores estampa a parede branca, a luz é branca, a janela é marrom e a cortina é bege. A cama não usei, ao seu lado duas mesas de cabeceira feitas em madeira. Acima, uma a direita e outra a esquerda, luzes de leitura que não funcionam. Uma penteadeira e um vaso com uma flor bem diante do espelho. Já me olhei algumas vezes nesse espelho. Um par de chinelos brancos com a bandeira do Brasil perto da porta sobre o tapete verde escuro. A cama esta coberta por uma colcha florida. Tem um sofá com um tecido estranho, não sei defini-lo.
Ar condicionado antigo.
O banheiro está com as torneiras trocadas.
A fria abre a quente e a quente abre a fria.
Tem um pano de chão ao lado de uma toalha de rosto que usei para limpar o gozo da falta do que fazer.
- Alou.
- Alou.
- Quem fala?
- Recepção, o que deseja?
- Desejo amar e ser amado.
- Sinto muito, não entendi senhor.
- Desejo amor, desejo viajar e conhecer o mundo e as pessoas e ver o sol de outros ângulos.
- Senhor, aqui é da recepção.
- Pois não?
- Pois não o que, o senhor quem ligou como posso ajudá-lo?
- Poderia me ajudar?
- Estou aqui para isso.
- Bom, me ajude a ver a vida com olhos diferentes, conte-me uma história onde os personagens não cobram um final feliz, simplesmente vivem a história sem saber qual será a próxima página.
- Como assim senhor? O senhor está bem?
- Sim, estou bem e a senhora?
- Estou trabalhando.
- Mas está satisfeita com seu trabalho?
- Senhor, aqui é da recepção do hotel, em que posso ajudá-lo?
-Me responde se está feliz com seu trabalho.
- Que diferença faz para o senhor? Não posso conversar senhor, estou no meio do meu expediente.
- Tem alguém por ai?
- Não senhor.
- Existem outras linhas para que os hóspedes possam ser atendidos?
- Sim, existem outras duas linhas.
- Elas estão tocando?
- Não senhor.
- Então...
- Pois não senhor, então o que?`
- Então me diga se és feliz?
- Senhor, não posso ficar batendo papo com o senhor, senhor.
- O que está fazendo ai nesse momento?- Estou lendo o jornal.
- E o que diz o jornal?
- O mesmo de sempre senhor.
- E como se sente lendo algo que é o de sempre?
- Estou só passando o tempo.
- Estou lhe ajudando a passar o tempo.
- Certo senhor, mas se o gerente chegar e me pegar falando no telefone não vai gostar.
- Por quê?
- Ora, senhor, porque estou trabalhando.
- Sim, está me atendendo, isso não faz parte do seu trabalho?
- Faz sim senhor.
- Pois qual o argumento seu gerente terá?
- Não estou entendendo onde quer chegar.
- Não estou tentando chegar a lugar nenhum.
( Silêncio na linha )
- Senhor...
- Pois não senhora.
- Preciso desligar o telefone.
- Tudo bem, pode desligar.
- O senhor precisa de algo?
- Preciso sim.
- Em que posso ajudá-lo?
- Pode me ajudar a limpar o céu e tirar estas nuvens de chuva de perto para que enxergue melhor as estrelas?
- O senhor está brincando comigo, não posso brincar.
- Por que não pode brincar? Porque já é uma pessoa adulta, por que o tempo passou e a vida agora é só a rotina diária, o cumprimento de tabela e quando algo inesperado te acontece dai a senhora perde a paciência e se sente desconfortável?
- Não senhor. Trabalho na recepção deste hotel, estou aqui para servir os hóspedes, fazer ligações, passar informações, programar alarmes, pedir um taxi caso seja necessário, levar uma toalha ou até mesmo algo para comer quando requisitado. Esse é meu serviço.
( silêncio na linha )
- Senhor, preciso desligar.
- Desligue.
- Desculpe se não posso ajudá-lo senhor.
- Não se desculpe ninguém pode me ajudar.
- Sinto muito senhor.
- Sente mesmo, seja sincera?
- Sinto muito mesmo senhor.
- E o que a senhora sente se nem me conhece?
- Sinto não poder ajudá-lo.
- Tudo bem, não estou procurando ajuda.
- Então tenha uma boa noite.
- O que é uma boa noite para senhora?
- Uma noite tranquila, onde posso ler um livro e descansar.
- Ótimo, para mim uma boa noite é uma noite onde posso conhecer outras pessoas, dançar, cantar, beber, me divertir.
- O senhor quer o endereço de uma danceteria?
Um minuto por favor.
( Silêncio na linha )
Desligo o telefone.
O telefone toca.
- Pois não.
- Senhor, aqui é da recepção, localizei uma danceteria, pode anotar o endereço.
- Para que?
- Ora o senhor não disse que queria dançar, beber e ver gente?
- Não, eu só perguntei a senhora o que era uma boa noite.
- Entendi, então nesse caso, desculpe o incômodo.
- A senhora não está me incomodando.
- Muito bem senhor, então tenha uma boa noite.
- E se não for possível?
- O que senhor?
- Se não for possível ter uma boa noite?
- O que quer que faça senhor?
- Me responda.
- Pergunte-me.
- Caso eu não tenha uma boa noite?
- Não posso fazer nada senhor, não é minha função.
- Tudo bem então.
- Boa noite senhor.
- Boa noite senhora.
Desliga o telefone.
Mil pensamentos passam pela cabeça.
Mas nada que mereça atenção.
Formalidades são falsas.
Conclusão.
Não existe conclusão.
Não nesse momento.
Ãh ?
Tico Sta Cruz