O que mais há?
- Hoje é sexta feira.
- E daí?
- E daí? Todo mundo saiu, só ficamos nós dois aqui.
- Tá fazendo o que?
- Conversando com você, não tenho aptidões para muitas atividades ao mesmo instante.
- Nossa. Que profundo isso.
- Achou realmente ou está querendo me agradar?
- Estou querendo te agradar.
- Percebi.
- Não acho que tenha percebido.
- Pois percebo mais do que imaginas.
- Tu não sabes o que pode se passar por meus pensamentos.
- Ninguém sabe o de ninguém.
- Sabe sim, tem muita gente previsível.
- Quem?
- Sei lá, algumas pessoas.
- Diga quais.
- Não sei dizer agora, assim, de sopetão.
- Pois isso era previsível.
- Como assim?
- Previsível.
- Previsível dizer que sabia que eu não teria nomes imediatamente na cabeça para dizer?
- Previsível porque você disse algo sabendo que não precisava dizer.
- Tudo bem, você tem razão. Às vezes digo coisas só por dizer realmente.
- Acha que eu não?
- Acho que no fundo todos dizem coisas que não necessariamente configuram-se como uma verdade sentida, entende?
- Perfeitamente. Acredito que até um “bom dia” possa vir sincero algum dia.
- Eu desejo bom dia, desejando bom dia.
- Isso quando deseja um.
- Sempre desejo.
- Todos os dias? Nunca acordas de mau humor?
- Às vezes, raramente. Sou uma pessoa super positiva.
- Nunca ouvi alguém dizer. “ Sempre acordo de mau humor, sou super negativista”.
- Talvez por que isso não seja uma frase lá muito útil de se usar.
- É verdade. Estou confusa.
- Com o que?
- Com essa relação – sinceridade x falsidade.
- É uma equação tão simples.
- Não acho.
- Más é. Todos nós usamos de ambas quando necessário.
- Certo, mas como saber de fato se o necessário é realmente necessário?
- Bom, agora você quer o que? Ter um redator te editando se é necessário, o que não é necessário.
- Talvez. Talvez eu pudesse ter um sinal de alarme, para me lembrar de quando posso estar sendo inconveniente.
- Acha que seu alarme dispararia agora?
- Acho que não, você não é obrigado a conversar comigo.
- De fato.
- Poderia desconectar e fingir que caiu a rede.
- De fato.
- Eu também faço isso algumas vezes.
- Acho que todos fazem não?
- Todos é muita gente.
- De fato.
- Sexta feira é um dia bom de ficar em casa.
- Por quê?
- Por que não tinha outra coisa para lhe dizer.
- E então escreveu isso?
- Sim, mas pelo menos te contei né?
- Você não concluiu o raciocínio de modo que eu perceberia que estavas jogando palavras ao vento.
- Me deu preguiça de seguir com o raciocínio.
- Acha que iria me enganar?
- Se eu quisesse sim.
- Acho que nem se quisesse.
- E se disser que estou fazendo isso agora?
- Vou pensar que é o óbvio a se dizer.
- Não é o óbvio.
- Veja bem, se subir algumas frases verá que essa conversa não tem pé nem cabeça.
- Já havia percebido isso também.
- Então por que levas a diante?
- Hoje é sexta feira.
- E daí?
- E daí? Todo mundo saiu. Só ficamos nós dois aqui.
Tico Sta Cruz